quarta-feira, 28 de abril de 2010

TODO RETRATO É O MESMO

...e por ser assim, não espanto as teias vivas e pressinto o tanto de tempo que se aproxima; retratos esmaecidos sob o pó vigilante testemunham a busca e quando tocados impregnam o ambiente não com o mofo, mas com a verdade dos seus traços. Uns sorriem quase piedosos, outros se escondem e procuram as portas, as mesmas que deste lado da vida se mantém entreabertas numa espera de dias e brisas. Quem por aqui deixou seus dizeres e seus gestos ensaiados, fixou-se nas sombras, no jogo de luzes de um lusco-fusco prenhe de invernos desbotados; fixou-se como em um sonho do qual não nos livramos pela manhã, impregnou-se como um adeus que é sempre outro se repetindo no retrato que antes era um sorriso seu. Depois de tudo, ainda uma sonata e uns poucos minutos entre a certeza dos seus olhos mais ou menos castanhos e a leveza dos nossos pecados certamente doces. Depois de tudo, as teias já não se comovem com meus gestos combalidos e escondem nossas passagens secretas, tudo então é distância, solidão e canções do Djavan, tudo é uma questão de burlar as leis da natureza e flutuar pelo sótão como quem procura suas pegadas ou chafurdar na embriaguez dos seus cheiros cheios de mim e de quem mais? Entre todos os retratos que não mais alcanço, o seu é o que mais se insinua, mesmo que dele reste apenas a moldura e os motivos que o arremessem contra a parede, mesmo que dele restem as teias e o tempo exato de contar-lhe a estória.

domingo, 18 de abril de 2010

Promessa

Juro que tu serias minha vida, déjà vu perpetuado por todos os meus poros e instantes e meu instante absoluto, cósmico, um instante diabólico tatuado no plexo, um instante divino em você e na criação, nos cuidados com as plantas, durante minhas expedições lunares ou minhas audições malucas de Creedence Clearwater Revival e mesmo que o desatino do fim da vida me levasse ao espelho e fosse um estranho que me olhasse, mesmo assim este estranho perguntaria de ti, e de ti falaria a noite toda, contaria nossas estórias, lembraria nossas andanças por ruas e becos e matas, nossos pés tão ágeis transpondo o limo das pedras e depois acarinhando um ao outro, e mesmo que de mim já não fizesse a mínima idéia, de ti lembraria todos os detalhes. Hoje e por tantas outras vidas, lembrar de ti não seria nenhuma ave sem rumo, mas uma revoada migrando para teus confins e teus confins estariam certamente brilhando no espelho quando eu me olhasse procurando por ti.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Viagem astral

Há um desdobramento que nunca entendo; uma palavra, uma frase que se insinua nua quando visto outras interpretações e lhe cubro de significados tórridos. Sinto mesmo o sabor das frutas que dividimos quando me dizes sobre a partida, sobre a ida para um nunca mais perto de mim e insisto que o sabor é outro, que as maçãs estão maduras e que o pomar é tão aqui, tão próximo do espaço físico sideral que ocupas na minha vida. Vivi só enquanto você viveu em mim e foi tão intenso que deixei um pouco de vida para estes dias de hoje, dias de pomares distantes, dias quentes que não entendo e só faço cumprir.

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