domingo, 23 de novembro de 2008

Prêmio Dardos


A Trama Bacana, ganhou o Prêmio Dardos por indicação de Beatriz Bajo, moça prendada, talentosa, bonita e sensata (rsrsrs...), escritora prá lá de atuante a quem tive o prazer de conhecer por estas vias virtuais...enfim...
Agora o prazer de dividi-lo é meu. Os motivos são muitos e, suponho, óbvios: talento; utilidade pública; qualidade visual, mas, antes de tudo, em razão do sentimento que me faz acordar todos os dias e acreditar que vale a pena, a amizade por cada um de vocês. Antes que eu me esqueça, só pude indicar 15 (quinze) blogs amigos - relacionados aí ao lado - então joguei os papeizinhos na cumbuca, meti a mão e tirei um a um. Façam o mesmo seguindo estas três regrinhas:
1- Lincar o blogue cujo autor o indicou ao prêmio;
2 - Eleger 15 blogues bacanas que, na opinião de vocês, também mereçam o Prêmio Dardos e colocá-los em seu blogues;
3 - Enviar uma mensagem semelhante a esta aos indicados;
4 - ...e claro, leiam meus textos e deixem suas impressões..rsrs
BEIJABRAÇOS!!!!!!!!!!!!!!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Bossa nova

(ou, dentro do cineclube lembrei que nunca te esqueci)
O cinema à frente das retinas
Não mentia sobre a luz
De fato, brilhava esperançoso dentro da viagem dum passado inventado por sobre casarios chuviscados

Via o mundo que então nutria jardins encantados rosas, margaridas e dálias e nenhuma mulher pra mim
Nenhuma chance de inocência lamurienta quando a menina descesse as escadas, arrependida, ou acontecessem coisas à flor da pele aterrada na eletricidade incontida de quando você
Linda de uma dor em mim

Passasse a caminho de um mar que só mesmo Vinicius e Jobim
Linda e distante andante num verso Caetano
Itinerantemente linda assim em versos que nem fiz por absoluta falta de juízo e uma profusão de cenas sem edição
Era quando um cochicho pouco mais audível perto do fim da tarde me trazia um café, um sorriso, e o mar se afastava róseo
Quem olhava trespassava
Ia embora e fim.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Arremetida


Espero que decidas antes. É que antes ainda agonizo um instante e antes não é só um punhado de possibilidades fora do tempo ou dentro das expectativas que todos consideram normais, antes é a redenção, são as mãos que tiram a corda do pescoço ou abrem as janelas sempre que a escuridão asfixia com as visões que só ela revela. Antes é a trama, a interpretação absurda de um mapa astral que não considera os caminhos de outros sóis e nem os passos rabiscados no escuro.
Não que eu tenha pressa, mas antes a solidão nem é tão aguda e nem me rouba os fins de tarde que avermelham os minutos sempre que fico pra depois. Tenho mesmo coisas de dizer, fazer, sonhar, talvez visite alguns amigos, mesmo que não percebam, mesmo que não se incomodem com o cheiro do cigarro ou com a falta de assunto, sim porque não conversamos sobre futilidades, é costume atravessarmos as madrugadas recriando o encontro de outros dias ou o modo de vida de um personagem que consideramos deslocado, colorindo os contornos que deixamos uns nos outros.
Outro dia mesmo, você foi assoviar na janela e, de repente, preocupada com o que achariam os vizinhos desenhou uma ave sem vôo no espaço das suas mãos e intercedi dizendo que a melodia era tão bonita, perguntei se era Schulman você disse que não que ouvira alguém na rua – uma melodia que se fixa nos poros nos modos na boca, uma melodia que insiste quase aflita em repetir-se nos seus lábios que dança na sua língua e pensei que talvez quem a assoviasse na rua fosse Schulman em carne e osso, mesmo não sendo ele o compositor, passeando pela República que foi onde imaginei que alguém assoviasse uma melodia tão bonita.
Depois tem ainda as contas, números dívidas mais uma cerveja fiado mais um cigarro aceso e a solidão que me empurra para dentro de uma perspectiva aquática e o temor do afogamento diário, as borbulhas, o café, tanta roupa amarrotada, lençóis ainda sujos da última semana, obra no vizinho, poeira e barulho e minha assinatura perdida, folhas e mais folhas lidas sabe-se lá por quem. Espero que decidas logo. E logo não são apenas estes olhares complacentes ou os acenos que dizem até daqui a pouco querendo mesmo afastar a cena pra fora do contexto, reescrevê-la com as tintas de uma novela nem tão piegas, mesmo porque depois me apresso com a idéia de nunca mais tocar-lhe o sexo nem a fronte nas febres nem as mãos nas despedidas nem o rosto úmido talvez do beijo, depois me impaciento com o táxi que chamei e nunca chega e quando chega mando tudo pro inferno e corro fechar a persiana na esperança que não me ouçam, mais ou menos como uma criança que fecha os olhos na esperança de que não a vejam. Decidas antes da hora nunca marcada, antes da vida que atiro de tantos andares numa cusparada mais blasfema do que propriamente bêbada, antes que eu parta as cartas e decida por ti, decida que os gritos não eram teus, tampouco a agonia de ver-me desajeitada sob teu corpo seria tua. Teu seria o sorriso meio torto emoldurado na parede lateral, aquela que tanto desejáramos pintar emprestar aos amigos como um muro, mas resolvemos mantê-la intocada exceto pelo retrato que hoje está torto na parede – e penso que teria sido tão bom derrubá-la, abrir mais a sala sobre a sala do vizinho em obras, sobre a vida de uma família em obras comendo poeira e pó de mármore, um sol inteiro na sala e não apenas esta réstia que junto comigo espera que decidas logo. Antes que eu desça as escadas e arremeta mais uma vez.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CÍRCULOS

Então você volta. Você volta sempre. Volta com o rabo entre as pernas na esperança de que eu abra as minhas e me desampare inteira agarrada às cordas que me lanças. Tem sido assim desde sempre e sempre é tanto tempo que a impressão que tenho é a de que sempre andamos juntos e que isso tudo entre nós é quase sujo e incestuoso. Fico até com vergonha quando você volta e me convence; depois quando me lavo, sinto que com a água não é você quem escorre, mas eu mesma. Jurei que não aconteceria outra vez, jurei que sua expressão de anjo não me convenceria e que daquela vez não terminaríamos pelos cantos meio nus meio vestidos, cambaleando um sobre o outro e de olho na porta já que nunca se sabe. Daquela vez você voltaria da porta e eu não me envergonharia depois. Daquela vez eu te olharia de longe, tão longe que não conseguiria reconhecê-lo e então talvez eu me apaixonasse por você e você seria alguém totalmente novo, um punhado de segredos que eu não decifraria, pois nunca te conheceria assim. Quando você estivesse distante, bem distante, eu gritaria o teu nome que sequer saberia ao certo, mas gritaria com a agonia de quem vê alguém que talvez fosse sua cara-metade sumindo dentro de uma rua tão imensa quanto as mentiras que nos contamos todos os dias e gritaria para além da sua audição, gritaria para um homem que bem poderia levar-me à loucura escorada nas paredes, dependurada nessa aventura suja, meio despida meio vestida, meio sem saber o que seria certo e errado e em todo caso fazê-lo, porque não fazê-lo me levaria de volta a você.
(Foto: Tuta, veja em olhares)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

AS GUERRAS NOSSAS DE CADA DIA

Depois de tantas horas me enfio pelas ruas – caras tristes por entre espinheiros cochicham entre si fuxicos chorosos (se bem que a garoa e a lágrima disfarcem o inevitável) - e sorrio poucos uivos para uma lua amarelenta pousada entre escuros de rara revelação.

Outras ruas assomam à minha vigilância; arroubos de cores e profundidades diversas estendem-me mãos calosas de uma obra irretocável – hora de ainda não chegar.

Anjos espiam por entre os mesmos espinheiros como se ali repousassem abraçados, quem sabe indecisos ou precisamente encharcados de um vôo temporal. Quase do mesmo modo estiram-se à passagem dos homens sob rajadas de um hálito divinal que não expele outra ameaça a não ser aquela que te faz vergar sob o peso dos escombros que um dia chamaste corpo ou combalidos pela iniciativa do verbo que, em princípio, jazia nas páginas de um relicário. Rezam, enquanto folheamos instruções e ouvimos um blues que é pura perdição. Mantendo as aparências pensas em um sujeito qualquer em qualquer um desses sonhos Tarantino violentando ninfas indefesas que por ventura borboleteiem rosas próximas às minhas mãos.

Paro. Percebo que a rua é mesmo esta e que você realmente me acena e chora e que levo um fuzil às costas e que o pelotão todo acena para tantas outras mulheres em suas varandas que bem podem ser um cais ou uma estação e que os lenços brancos como pombas agarrassem-se às mãos como representação de uma possibilidade a mais. Mais adiante despenco por um barranco desenhado especialmente para mim e quando finalmente encontro outra rua me levanto sem saber que as feridas foram lavadas na água do teu banho e que o silêncio no qual me afundo é outra vez um salto espectral às janelas onde não há mais nenhum amanhecer; apenas a rua que é um caminho em qualquer mês por onde sigo cego no encalço de outras mentiras. Sempre extensa, nela todos se cumprimentam, trocam preocupações, abrem seus corações, profanam memórias, recolhem seus jornais e se enfurnam na brevidade dos álibis. Quando chego ao outro lado, olho a rua que caminhei, olho seus sobrados desabados que para sempre guardam suas canções, olho suas crianças que brincam de ilusões e olho você que me olha tão aflita como se do fundo de nossas vidas chegassem notícias de uma lua amarelenta pousada entre escuros de rara revelação.

*Ilustração de Lima de Freitas para a edição polonesa de A Marcha (1956) de Afonso Schmidt

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Das objeções, dos objetos e da inconsciência

A PRIMEIRA cadeira que vi estava vazia, não que outra estivesse ocupada, mas a primeira que vi estava especialmente vazia como se ali nunca ninguém sentara antes.
Vazia de corpo e alma, tão vazia que sequer lembrava uma cadeira e, embora eu a reconhecesse como tal, não me inspirava sensações que, comumente, as cadeiras inspiram. Não quis me sentar e nem quis circundá-la como a uma partner que se toca de leve na cintura dando vida a dança, não uma dança qualquer, mas destas danças que se dançam com cadeiras vazias e que, então, nem são mais vazias, pois preenchidas pela dança de alguém. Não quis nada com a cadeira que se contentava em ser um modelo morto escorada à mesa que nem era mesa, como de fato são as mesas quando estão próximas às cadeiras, pois a cadeira de tão vazia distanciava-se daquilo que, embora mesa, não o sabia. Não quis saber da cadeira que não sabia ser cadeira e nem porque moldada como tal, estranhamente feliz na sua incompreensão de cadeira vazia.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A manhã e o desencantamento


Antes de as cores
reverberarem caladas, correndo confusas contra o pano de fundo que a rotação secreta, ouvi do escuro da noite em branco que a explosão não deixaria vivos nem avisos e ouvi dos vivos que a mácula não seria uma anedota sem sorrisos e nem o fim do silêncio. Apenas a luz borrifada na face dos poucos falsos viventes, poucos viventes indecisos e desavisados de si, comprometidos com a dor lancinante de anunciar o desenlace com a trama.
Não haveria um suspiro derradeiro e nem um olhar de soslaio, compadecido ou ao mesmo tempo intrigado, não haveria um novelo que eu desfiasse e me levasse de volta antes de as cores reverberarem caladas, confusas, contra um fundo tão imenso e sem você, quando tudo fica meio cinza e não que as cores talvez porque misturadas demais não se dissolvam; talvez. E depois de cinza tudo amanhece sem graça sem arruaça de sol bulindo no meio-escuro espreguiçando varandas orvalhadas.
Mais um pouco e os primeiros ruídos clareados irrompem dias feriados e flagram teu rosto inda adormecido sobre meu peito, estamos nus e ainda sonhamos colorido já tão próximos ao desencantamento da manhã. Então continuar assim sem ligar sem buscar sentido nas mãos que esmurram a porta quebrando a corrente física, sobressaltando nossos corpos e impondo a dormência de um cinza absoluto e ensurdecedor, e não tem mesmo sentido algum alguma coisa de fora de outro lugar no mundo apossar-se da hora em que tudo ficou decidido tatuado e colorido dentro da madrugada chegar dizendo que é hora como se nada antes importasse ou fosse a razão de estarmos ali como se as translações ao redor dos nossos desejos nunca buscassem um sol ou mesmo um motivo que nos devolvesse a fuga para nunca e nunca mais cinza do que a mistura das luzes noturnas atiradas contra a janela de cortinas soltas que ajudam a congelar a gotícula de suor que escorre em seu dorso e as mãos que nada têm a não ser o remorso de bater à porta.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Ao meio-dia de um quarto trancado


Não seriam sequer as descrenças que a carregariam por entre estas almas tristes, mas uma atitude menos enfática que não mantivesse em riste a pronúncia de um gesto. O limbo pareceria um mistério criando expectativas físicas de que, finalmente, tocar-lhe-iam as vísceras em cumprimento à fé, mas tu não entenderias tais intenções e sairias serpenteando em procissão. Os olhares, mais vazados do que vivos, tragando-lhe os desejos recortados, os sonhos e as contradições, fincariam repulsas e revelações mesmo que na fixidez de uma parede em branco. Ainda longínqua a ponto de não definir contornos sentir perfumes perceber texturas, gritar-lhe-iam impropérios e sentenças dos quais não te livrarias; em verdade os gemidos do mundo gritados por todos os cantos embalariam teu berço, velariam teu sono, fechariam atrás de si as portas do teu convento deixando-a por conta dos afagos que pela vida procuraste. Vinda assim, de dentro da ilusão amarelenta dos véus que despirás quero que cresças junto às cercas e com o tempo quero que as tome e avance pelas terras e surpreenda outros mundos com teus modos de santa coisa nenhuma que engana quem vê assim um olhar de longe e que embora perdido, te olha tão fundo que rouba respiração, coragem, roupas e quando te dás conta já é o fim, hora de procurar respostas e descobrir-se só e sem posses. O que devoto nesta imensidão que chamo prazer, são poemas que bramo em teu altar; acredite os declamo como epístolas insensatas que norteiam minhas misérias e semeiam em ti este espaço todo de lonjuras tantas e tanto de nós que cubro qualquer possibilidade de reflexo, cubro as águas com o pranto indelicado que verto desmesurado, todos os espelhos que não te vêem ao meu lado, cubro poças com as sombras que voam e fecho todos os olhos dizendo-te por todos os dias que não restariam palavras que traduzissem, então, a loucura de caminhar sozinho e recolher os sóis do teu caminho ao meio dia de um quarto trancado; dizendo-te que te levaria no colo, não pelas chamas ou pela devassidão, mas para não cansar-te a sorte de caminhar depois as trilhas dos meus passos; dizendo-te que te daria a mão, que te arrancaria das cacimbas e dos precipícios, que te salvaria dos mortos, mas tu nunca ouviste, preferiste a turba carregando-a como a uma deusa que fosse corpo e melancolia. Disse um dia que tu não compreenderias quando te levassem num dossel de encantamento até o fundo de cada alma sequiosa e lá te abandonassem como a este amor que nos prometemos um dia.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Rota de colisão

  Acredito que fui eu quem te olhou na distância de uma dor pontiaguda similar à vastidão de uma legião de meteoros sem rumo que se abate contra um planeta qualquer nos confins de um espaço embriagado, e já que a doçura dos teus olhos fulminantes fez um dia disparar um instante de redenção e tão poucas causas de alegria, sim fui eu. Quem ficou mesmo perdido sob um sol paulistano 35 graus e tem quem não acredite que os corredores intermináveis de prédios para todos os lados e a algazarra térmica do piche preto movediço provoquem um calor medonho que me prostra e embaralha os rumos dos meus olhos ensolarados e você num rasante sem prumo cravando os punhos na decisão de enxotar-me e eu novamente atônito escondido e desejando que o dia não mais se prolongue, pelo menos não a esse ponto ou nessa direção precipitado e agarrado à chance de rebelar-me no mesmo segundo em que resolves despir-se para uma distância transparente de sóis aflitos e enciumados, e sim. É mesmo um dia qualquer de ilusões chorosas e desculpas intermináveis ou sou mesmo eu sem sentido, mas. Mesmo assim se perfilam e caminham ao meu lado e posso até tocá-las, oferecê-las como mais um desperdício no balcão ou procurar o chão e rolar para o outro lado aceitando que nunca mais anoitecerá aqui fora, que iremos embora devagar e divagando enquanto os meteoros convergem e destroçam outros momentos fugazes dentro dos quais sorriremos um dia ainda atracado no futuro na movimentação das dúvidas ou das tuas ancas caprichosas, e sim sou eu. Em rota de colisão quem olha para todos os lados e do bolso retira um papel amassado com letras sentidas em vermelho tão perto do peito e que dizem tolices tão dentro de você que se materializam e digitam um código qualquer que te faz surgir bem ali, mas. De qualquer forma (in)vestida de sombras é em ti que repousarei meu corpo cansado de tanto seguir por vias mal iluminadas onde não distingo a natureza da maquiagem nem os motivos da gargalhada.
(foto "Paz" de P. Manzano)

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Não antes de tudo dar certo


(passado, presente, participo sendo o mistério do planeta*)
Uma estória não pode acabar assim, não de um segundo para o outro, no flash insano de um piscar de olhos que sequer são os seus. Não assim, sem se dar conta que o fim espreita tão próximo que seu hálito insuspeito possa ser sentido. Não antes dos sentidos, um toque no braço da companheira ao lado e tantos fins de semana em família, e tantas reuniões até tão tarde, tão tarde que as crianças já estão dormindo e daqui a pouco é (outro) dia e o sorriso tão aberto que cumprimenta, saúda, e os semáforos que talvez nem demorem tanto. Não antes de ter tempo para ouvir mais uma canção, comprar flores, voltar mais cedo e fazer amor com mais vagar.
Não pode ser assim o final de uma estória. Não tão velozmente que sequer se fixem as feições, as imperfeições, sem que os recados tenham sido trocados, sem dirimir as dúvidas, fechar os contratos, abrir as janelas, alimentar a criação, espanar o pó de tanto tempo e chão. Não antes de acenar os lenços que emprestam à cena uma condição de que é para sempre, mas nem tanto. Não sem a percepção de que tudo não passou de um pesadelo e que o almoço está pronto e cheira tão bem que convém chamar os amigos. Não antes que a palavra se lance ao espaço e diga tudo o que sempre desejou dizer, e mesmo que alguém continue incrédulo diga que sim que há outra pessoa apaixonada deitada com você sob um céu repleto de mistérios. Não antes de tudo dar certo, não antes dos pequenos reparos diários, não antes das malas prontas e sem rumo, não antes da eternidade que o vôo possa prometer.
(para Osiris Antonio Salton Júnior)
* verso da letra Mistério do planeta - Galvão e Moraes Moreira no disco Acabou Chorare (1972)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Vinte e quatro quadros

 

Enquanto permanecias retida na fotografia, latejava por dentro uma agonia salgada de espelhos vivos e águas indiscretas, também danças que bruxuleavam junto ao furta-cor de uma castidade imediata. Quando movias a cena como no cinema, ao redor folhas de um outono esmaecido rodopiavam tangidas por acenos e descuidos. Quando então te movimentavas decidida, paralisavam-se as dimensões e dos cenários rasgados escapuliam tuas faces, teus trejeitos e todos os teus personagens. Escapulia inteiramente lânguida fatal e lançada nave lúbrica. Quando resolveu olhar, já destacada da imobilidade em preto em branco, eu já caminhava apressado. Pude sentir o fogo dos teus olhos verdes cravados na minha nuca. Não olhei. Preferi mantê-la como a uma fotografia que eu pudesse simplesmente fechar num álbum ou suprimir de meus arquivos. Esqueci-me, contudo, tratar-se de um filme e os efeitos especiais foram tão mais eficazes que acabei prostrado vendo-a a minha frente em desafio. Teus olhos já não eram fogo, eram pura euforia e dentro desta euforia teu coração batia descompassado, ora um tango levado por Piazzolla ora retumbante Vai-vai despencando pela avenida. Resolvi procurar outra saída e descobri que todas as vias estavam repletas de sonhos inacabados que se agarravam à noite como quem luta desesperadamente por um amor silenciado na dinâmica de vinte e quatro quadros.
Desde então é assim que vejo as horas e todo o espanto nos teus olhos enquanto as ladeiras se movem em meio às estórias tantas e tão caóticas que tomam as guias e calçadas obrigando todos a se esgueirarem rente às paredes como que tateando um escuro lúgubre e pegajoso do qual escapolem os motivos de tanto espanto. Assim me encontro próximo, mas impossibilitado de acarinhar-lhe o rosto e mesmo de apontar um meio menos doloroso de abrir-se o tempo para penetrar num outro mundo de intensidades musicais ou aonde as máscaras não escondessem o revés diário e fossem apenas brinquedos sensuais. Se, finalmente, conseguimos nos encontrar, mesmo que a multidão se acotovele e grite e nos olhe com olhos amanhecidos e vorazes, mesmo que se descabelem e afundem num lamaçal ainda nem desenhado, mas já tão presente sob nossos pés, então o tempo submerge fotografado pela ansiedade que nos esconde sob os lençóis flagrados em vinte e quatro quadros.

sábado, 16 de agosto de 2008

Post especial

 
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
A noite que ele não veio
Foi de tristeza prá mim
[...]
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou
[...]
É doce morrer...

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Em ti e no silêncio que habitei




A sala solta no ar de sílabas flutuantes dizia tudo por segundo. E dizer sempre foi um modo de deslocar-se entre as sedas de um silêncio habitado que, esgueirando-se pelas frestas da veneziana, vinha nos acordar com o sol.
Pequenas mentiras de rodapés e discursos de soleira encontravam-se na densidade morna do ambiente e deslizavam pela decoração provocando um alarido de tantos tempos e tantas alucinações, um vozerio incontrolável vindo do dia anterior e da ulterior indisposição em controlar-se.
Se os vasos reclamassem sementes, se os lustres conspirassem luzes, se as cadeiras queixosas pedissem descanso, se por um segundo o silêncio fosse apenas um soluço, uma interrupção física, um pedido de asilo, uma outra conspiração que intercedesse por qualquer coisa além de uma estória repetida, se teu corpo ressentido soluçasse a ausência do meu ou, ao contrário, se me invadisse farta e palidamente, então os espectros não se resignariam e abririam ruidosamente portas e janelas que de fora trariam outras sentenças e querelas produzindo uma quadro de antropologias distantes que inspirariam semelhanças e levariam sonhos aos corredores até então vazios.
Vazios de mim e de ti que nunca mais vi nem nada além de vê-la num retrato sorrindo ainda um pouco.
Via-se um fim contido nas mãos postas pedintes em oração, via-se um arremate costurado no bordado dentro da confusão que não se abatia, via-se o olhar calado navegando direções esculpidas nos destroços do coração, ouvia-se o suspiro último de Kerouac convertido ou a dança da morte no grito do teu corpo curvilíneo, ouvia-se a preguiça dos litros e litros de vinho e mais que tudo se percebia arrependido num canto o que antes trovejara em cada ouvido e não calara porque rogado: silêncio.
Não o silêncio que gotejava a cada minuto em que nos olhávamos, mas o silêncio absoluto, previamente instalado, dono de si e de todos, guardião das incertezas e dos tormentos, senhor das horas ancoradas em meio ao degelo irracional das idéias. Naquele canto, obrigado dia e noite ao convívio dos ruídos das almas e dos corpos, o silêncio primeiro, aquele que precedeu o verbo e gerou a escuridão, parecia indefeso, tão indefeso quanto o homem que lhe habitava, que lhe cobria as vergonhas com a decência mesquinha, que escrevia versos como quem fere a própria cria, como quem chorava sem razão sobre a loucura que tanto o aprazia.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

As fuças do dragão do tempo

Ouço outros tempos; ouço claramente um sax e algumas vozes domésticas. Ouço uma lágrima e um aceno, um escorregão e uma nota em falsete, um anúncio e um segredo (o segredo é um cochicho que é uma sensação agradável no ouvido, uma comichão que não pode ser nada além, pois, avós e irmãos e, quando muito, amigos ou um barco pouco seguro, sem rumo, que não suporta sexo a bordo). É possível, se nos agacharmos, ouvir-se o escuro, suas formas imprecisas e intactas, paredes fugidias e janelas caladas, mas espere um pouco, ouça, há um outro sentimento que escapa como seqüência de um arranjo improvisado, há um movimento que inspira cuidado, uma queda surda que finalmente mutila e resguarda o caos. Ouço um acorde que precipita uma porta fechada e passos apressados buscando a rua, um acorde que não acode e alguém que sempre chega destes tempos caudalosos que se derramam mesmo quando ausentes; tempos densos e afetuosos como um abraço. Ouço vozes que trazem notícias, boas antigas novas que dão conta de um mexerico qualquer ou uma esperança vindoura. Alertam sobre conquistas pífias e desaparecimentos contumazes – os meus desaparecidos, percebo, mantêm-se vigilantes e parecem espiar pelas frestas, as mesmas que fazem a poeira espiralar numa dança solar. Tento (quase sempre em vão) uma ponte que me livre do fosso e da possibilidade de uma arremetida pouco eficiente e, quem sabe, suicida. Tento uma conversa e o tempo tenta tentos a todo instante; tento uma paixão que machuque e que devolva a dor, tento roubar do inferno a dúvida de deus e estabelecer a incontinência e a ferocidade. Ouço a mesma dor que sentencia o náufrago e absolve o poeta, e quando a ouço resolvo que não sou uma poça, mas o mar. Ouço outros tempos; ouço os olhos aflitos que pestanejam borboletas num campo de um outro tempo ainda mais distante, olhos que lacrimejam as águas de um fim contido na execração do corpo. Ouço mãos que pedem não um perdão, mas excomunhão, não carinho, mas um porto; âncoras lançadas – corpo, escuridão, afazeres, sons, redenção. Outros tempos que ouço como um feto, uma carícia na pele, uma vontade de ficar e chamá-la para dançar; um cordão que prende ao módulo e nega a alma à órbita. Há uma árvore que vê e um homem que chora; há uma santa impregnada de substâncias pouco cristãs e muitas horas sem pressa; há crianças e tarefas; sonhos e livros; corredores que transportam mortos; há velhos e banhos de rio; palhaços e presépios e um desejo comum de olhar a lua. Ouço a outra banda escura e pressinto as fuças de um dragão pouco acostumado à dor de um súbito clarão.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Desejo, palavra e vida


Desenhe minha palavra e use as cores da moda, use um toque indigitado e uma pergunta indiscreta.
Use trajes típicos e não demonstre arrependimento. Desenhe o que ouvir e o que acreditar ter ouvido; a diferença, embora abismal, não causará danos assim tão irreparáveis.
Passeie dentro de uma paisagem em silêncio e note que o traço perfeito buscará linhas em perspectiva, e que a fuga revelará um sorriso antes adormecido no turvo empobrecimento da escolha. Perceba quase nítido alguns homens que se levantam e caminham nus sobre um chão de explosões.
Desenhe minha palavra no escuro e deixe o tom se acostumar à presença das serpentes, estas minhas companhias de todas as horas. Verás que as formas se oferecerão mais fartas e que seus modos, mais sensuais então, permitirão o toque.
Desenho, palavra e vida, não necessariamente nesta ordem, pactuam sem a famigerada proteção divina; preferem assim que é mais um improviso do que um arranjo pronto, mais um sabor que uma expectativa incorpórea.

(Pintura digital - "Paisagem Silenciosa" - no blog http://particulasdosentido.blogspot.com/ - do meu grande amigo, Sr. do Vale)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Terceiro fragmento de um amor conspurcado

Quando abres a porta e ainda da penumbra fixa-me contra o fundo onde estou, é tão inevitável achá-la virginal; mesmo sabendo que ainda há pouco (antes que a manhã retocasse tua noite avisando-te o quanto ingeriste de álcool) esse alguém, que ouve ainda um vazio, (já que sequer respiramos) a tenha possuído tanto e tão profundamente (que agora me pareças trêmula), mesmo assim a contemplo como a uma Náiade prometida e que só a mim fartaria com tuas águas e sabores, com seus tantos suores e licores. Não há outra concepção de ti a não ser esta que me ofertas com os olhos que sorriem mesmo que lacrimejem nossas ausências. O que de ti concebo não são enlaces e nem cordas, são camadas de cetim que não canso de desnudar, são aparências sacras cuja maquiagem sacrílega acorda-me a tormenta de não poder tocá-la. Ainda outro dia, de tanto que me davas as costas cheguei a pensar que jamais guardaria tua fisionomia, hoje desejaria esquecê-la, arrancá-la das retinas e dos álbuns, mas tudo o que consigo é mirar-te da porta e desejar que te atires no precipício que te ofereço como alma. E como um Hércules pelejando por Dejanira, tento livrar-me do fundo e aproximar-me de ti; um gesto se precipita em afago e uma voz lá de dentro parece aproximar-se aqui de fora.
P
R
I
M
E
I
R
O
FRAGMENTO
Na primeira manhã (mesmo que todas as outras tenham sido mais cálidas) perguntei as horas e não porque você fosse a mais bela dentre todas as donzelas que por ali circulavam, perguntei mesmo pela proximidade, não havia ninguém tão próximo e por um acaso alguém tão próximo era você naquela primeira manhã. Tudo tão perfeito que as horas não mais importavam tudo tão bem encaixado que me restava oferecer-te a vida. Não o fiz, seria exagero. Apontou então para um relógio na parede e em seguida o próprio pulso nu, sem amarras, sem compromissos, sem adornos. Sequer um fio de voz. Agradeci. Você sumiu entre todos e fui procurar o motivo de lhe ter perguntado as horas.
(outra parte do terceiro fragmento)
...talvez a voz que lhe fizera tantas declarações tenha sido outra e agora se aproxima trazendo indagações. O gesto retrocede, mas não volta para o fundo; a voz vem encontrar-me na superfície tomando as dores de Dejanira.
(um fragmento que se partiu do primeiro ou por que vamos embora?)
Uma outra manhã de colorido palavrório, levou-me até você ainda num outono de folhas e transparências. De um lado te olhei do outro me olhaste, sorriu como nunca ninguém o fizera e mostrando o pulso ainda nu, desculpou-se indo embora. O que latejou então, não foi exatamente o teu jeito de ir entre todos, se desculpando por uma ou outra paixão, mas o fato de que teu sorriso não se fixara como a tua expressão mais séria o faria algum dia ainda não pintado em nenhuma de nossas manhãs. S E G U N D O FRAGMENTO Já não sei em qual das manhãs resolvi que te amava amava alguém que me furtava o tempo e que, de algum modo, vivia dizendo adeus e antes que assim o fizesse novamente, toquei as flores nos teus cabelos e prometi um jardim. Sorria-me estrelas, constelações inteiras na órbita da sua dança e jurou nunca dizer-me as horas.
(quem sabe, o último fragmento)
Quando fechas a porta sei que permaneces, ainda um instante, olhando a profundidade instalada. Sei também que estenderás a mão ao teu companheiro e sorrirás como ninguém nunca antes sorriu; o pulso estará nu sem adornos, compromissos ou amarras.
(uma impossibilidade definitivamente fragmentada) ou
T
E
R
C
E
I
R
O
OTNEMGARF

“eu te amo calado como quem ouve uma sinfonia”
Agora, se você deixar fico ali naquele canto bem quieto dentro daquele silêncio que também seria seu em qualquer uma dessas manhãs preguiçosas. Se você deixar, meu amor, meu silêncio será tanto que não haverá quem me perceba ali acocorado meio voyeur meio fantasma e mesmo que muitos venham e toquem seu corpo não me importarei, pois estarei cego. Alguns odores sussurros uma torneira gotejando suas mãos que projetam vôos seus vôos que são outra inspiração no escuro que então me acolhe, serão as únicas certezas antes que te deites tão nua quanto solitária e sonhes com alguém que te deseja tão completamente que é capaz de viver seus dias dentro de uma invisibilidade sem fuga. Se você deixar volto para mim e para a possibilidade de tocá-la mais uma vez nem que seja de relance nem que seja distante num toque telefônico um e-mail sem sentido ainda assim um desejo; do contrário fico ali ouvindo seus passos quando não sonhas e a insônia te faz ir à janela buscar os perfumes da noite e voltar para um chá amornado por minhas próprias mãos e então, te fazer carícias mesmo que você não sinta já que te vestes tão às pressas para sair e só voltar mais tarde acompanhada de alguém que te faça dançar e gemer e que de repente perceba que a música já estava ali, sempre esteve. Como eu, pelos cantos.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A impronúncia manifestada

Quando abro os olhos e é você quem me vê, o mistério é todo da cor de vigarices e passeia lentamente dentro do escuro que ainda colore a retina; é possível prová-lo pelas mãos ligeiras de quem me furta a ida e a vinda pelas vias de uma vida que não é minha. Quando a manhã se arrebenta repentina, se apresenta sem retoques é você quem pousa na grade tão santa clara clareando as palavras que vou mentir – uma por uma – só porque não sei dizê-las (quando silencio, os manifestos voam rasantes).
O primeiro destes manifestos pode ser chamado de Manifesto das coisas que são suas (e que muito bem poderiam ser minhas não fosse pelo preço e pela distância) e atende prontamente como um cão feliz ao receber o dono, abana o rabo histórico numa felicidade de poeira e espasmos sublinhados de urina e suor. Corre entre os aparelhos e os cavalos despachando ilusões pelas encruzilhadas e pede com seu jeito de lobo que fiques de quatro e te prepares para o baque. Por estas horas, os móveis já estão afastados e a platéia não morre dentro da execução alheia, nem há remorso maior que aquele que até então lhe acompanhara o ventre. As coisas que são suas são todas brilhantes e práticas; cordas amarram (mas também enforcam tão docemente quanto é possível a uma corda), sapatos calçam, roupas vestem, pentes penteiam e televisões hipnotizam – coisas que quero. Quero porque não querer resolveria só uma parte do problema, justamente aquela parte que te faz voar pela janela só porque não te quero mais. A platéia aplaude sacudindo as jóias, não, não aquelas, outras, brasileiras de barraquinhas populares. O segundo manifesto - ainda sem nome (se bem que Manifesto das coisas que não tens viria a calhar) - roga aos deuses de todas as praças que os meninos apareçam para a lavagem dos bons fins, o meu bom fim e o seu, um fim de mundo, de linha, récita, livro, um fim descabido que te leva mesmo antes que eu lhe desabotoe a blusa e banhe cada segundo de tanta maciez e perfume e flagre uma ou outra cicatriz. Em dias assim noto que não tens vontade, nem dor alguma, não tens piedade da minha ereção a qualquer hora e em qualquer lugar. Antes, não tinhas certezas engaioladas e nem asas, não tinhas ginga nem samba no pé, não tinhas nada e sequer eras mulher. Tendo o cuidado de avisar, há um terceiro manifesto que decreta: meu nome não pode ser pronunciado, pois sou escravo de outras razões, sou aquele que escreve os teus dizeres e planta tuas maçãs, sou o pai das tuas crias e tua cria sou também, escorro por entre as pernas dos homens e das mulheres, sou a cigarra no verão e um bunker em tempos de inquietação। Quando eras um menino fui teu instrutor nas ruas, levei-te ao leito de tantas mulheres e fui cada uma delas, ensinei-te a arte de fazê-las loucas e enlouqueci dentro de ti sempre que tocado, fui espelho e fui teu rosto barbeado, também fui pequeno e nestes tempos ambos fomos abandonados। Sou a luz e sou o breu; um interruptor acima das tuas decisões, definindo os meios, os feriados e os tons de tuas aparições.
Independente disso ou daquilo outro não me confunda com nenhum livro sagrado, alcorão de páginas arrancadas ou um bhagavad-gita revisitado, também não me surpreenda com videiras secas e vinho imaculado em notas bíblicas de rodapé, tampouco me assombre com esse arrastar pesado de asas machucadas de quem voou sem ter aonde ir.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

De tanto você

De tanto você perco noites e dias caminhando sem rumo tanto que o prumo de mim balouça fim adentro.
Perco porque me esqueço ardendo das febres que você inspira por dentro e das vodkas servidas às tantas e em chamas.
De tanto você
nada resolvo
com a luz não me envolvo e não volvo para ver Almodóvar no cineclube da esquina.
Fico te assistindo alegórica meteórica
passista de cinta-liga que me desliga e programa para quando quiser e bem entender.
De tanto você me aprisiono, me rendo, me encanto, cedo meu canto e meus arredores
deito meu pranto e adormeço para melhor te comer.
De tanto você espio revistas
passo em revista meu mundo e invisto artista numa tela que amanhece sem me ver.
De tanto você cego meus olhos num blues de céu atônito e remôo minha cômica pose démodé.
De tanto você me esquecer nem mesmo sei quem sou,
imagino que talvez um verme adubando teus quintais florais, talvez brisa na finita vastidão suspensa dos teus varais, mais ainda pó repousado nos teus poros salinos.
De tanto você não me ver não mais me reconheço franzo o cenho frente ao espelho que também não me olha e me toco para existir. Quando estremeço e procuro alguém ao meu lado não há quem me satisfaça de tanto você.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Ilustração de uma noite pouco azulada


Um azul desbotado, índigo rasgado num céu de dragões e aeronaves, escapole à vigilância e se atira à noite como quem, por detrás das cortinas, se declara ausente; é agora um céu repleto de estrelas refletindo calçadas apinhadas de andanças e revoltas que dançam num palavrório de acusações.
Há sempre alguém encapsulado em si mesmo fugindo do tempo, reaparecendo em flash como que cuspido pela mesma boca imensa que devora, um a um, os comensais desta noite que vagando em sua própria rotina, arrasta os sonhos e rasga as conclusões, determina o caminho e a velocidade, declara guerra à leitura desatenta dos manuais de instrução e sabota as horas nas quais, talvez, encontrássemos abrigo.
(Dentro da noite pouco azulada todos somos ilustrações de desejos voluntariosos que nos vem por dentro confrontando valores e perversões).
Além das palavras reescrevemos vazios, e mesmo que os duetos profanados te pareçam baldios, buscamos redenção além do mesmo hiato azul reinventado na distração de uma manhã na qual saramos as feridas de uma página em branco.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Pequenas mentiras

Antes de catar palavras no chão batido das entrelinhas e acreditar que não fomos além das janelas (porque lá fora, a vastidão certamente nos roubaria a razão) uma brisa que é só carinho alinha o pensamento ao vagar deste mundo de imprecisões sob formas tantas que desisto de perguntar. Se pedra pau água passarinho, se caminho cantiga ou teus pés pisando sem alarde as folhas do quintal, desisto. Se lua sol dia preguiça ou um sem querer que nunca mais acorda nem faz festa de chegar, desisto. E desistindo assisto estes tons de fim de tarde que insistem em me assombrar não porque medonhos ou afoitos, mas porque repousam dias que não mais e sorrisos nem ainda. Antes das apostas e dos punhais que se cravam à sorte das flores despidas tem uma porção de invencionices à porta, carneiros multicores que balem sem sentido e baleiros que giram tão velozes que deles não se pressentem sabores nem cores sem falar nos tambores que atordoam os passantes e até da sereia no jardim por obra e graça da aventura inventada no mesmo palmo de terra onde construo mais tarde a saga dos meus samurais e esqueço que um dia te amei pisando a mesma umidade de folhas descaídas de ventania súbita e miragem ressentida. O tempo que se alastra na escuridão, num instante faz-se manhã de improviso e inquietação trazendo-me anúncios desclassificados, além dos boatos costumeiros, felicitações e pecados amiúde. É só querer e a gotejante inspiração de seiva ou mesmo os motivos delinqüentes de quem não mais se atreve à solidão, inspiram as horas que voam rasantes tocando-lhe de leve o ombro, lembrando-te os motivos e as poucas purgações, as escolhas divertidas feito bolhas de sabão, as conversas em meio às roupas no varal, nossas pequenas mentiras e as idas ao cinema por sob as dobras do lençol.

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