domingo, 20 de novembro de 2011

Restos de um pesadelo já pela manhã

Deixei que a mão pousasse seus pássaros de inquietação na estampa sobre a coxa
e adivinhei calores de um corte preciso
Um corte preciso espalhou-me à vista pelas bancas
Depois correu os olhos nos nacos úmidos resolvendo que as vísceras tornar-se-
iam ilusões
Venderam-me em porções, filés, pedaços inteiros
Chamaram-me pelo preço e o que sobrou
Fartou cães, catadores e pássaros inquietos.

Fotografia de Vladimir Fedotko

domingo, 6 de novembro de 2011

Cores, contornos e outros mundos

Title #0
De ontem, lembro de um chão recortado e dos rastros deixados sem intenção, lembro de alguma precisão em retalhos e caminhos quase desenhados sem ter para aonde ir. De ontem, lembro de uma profundidade cega, um tormento de cavalos à baia e garotos entrincheirados por sob saias frisadas e presenças quase tão frias quanto mortas e mesmo sem demora, a vida parecia um motim levado a cabo nas naus levadas por nossos sexos. De ontem, lembro de um sorriso calado por sob o abajur da sala, uma incipiência pouco abandonada e um minuto de garantias escancaradas. Lembro das canções de Marvin Gaye e quase saberia cantá-las, mas ontem mais saberia já que hoje sou velho demais. Ontem, todos os sonhos tinham cor e se revelavam à cabeceira, traziam corpos de uma doce agonia e manhãs retocadas de sol. Lembro que minhas aventuras tinham tons de ventania e que minhas romarias prescindiam de deus, já que sê-lo era um meio de prosseguir. De ontem também trago cartões das cercanias e ilusões nuas de quem não se vê; de ontem ainda um escuro de cravos, rosas e juras, e outros lados proibidos em cujo frescor habitavam as tardes e as ninfetas e a suspeita de que sob tão pouca vigilância era Janis e não Maria quem nos paria pelas bandas de uma sentença inaudita.
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Texto originalmente publicado no blog "Muros de vento" em parceria com a ilustradora Vera Basile
...e por falar em Marvin Gaye...


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