O cigarro queima entre os dedos da mão direita, enquanto tudo se perde no vazio que olhas.
Além do vazio, vago.
Lá os cantores são charmosos e leem Jack Kerouak e também se comovem com as putinhas tenras que vez ou outra pedem uma canção.
E se faço poesia vagas ou acotovelo o balcão
Na busca estúpida de farelos e inspiração
É porque o vazio é ainda a saída para encontrá-la de lá prá cá
Falando sozinha na vaga da minha poesia enamorada que puta alguma mereceria, não àquela hora.
De repente o copeiro invade o vazio (o que a irrita mais que surpreende) e pergunta se quer mais alguma coisa. Você o olha e aturdida diz alguma coisa no lugar da verdade e só depois descobre que pedira um conhaque. Deixa o cigarro no cinzeiro e apanha (com a mesma mão direita de tantos outros gestos, inclusive aquele de enfiar-se pelo cabelo jogando-o para trás) o copo de conhaque. Fica olhando para ele algum tempo como que procurando o vazio de antes, mas o que encontra são tipos miseráveis desfocados que te observam impunemente. Bebe o conhaque de um gole só, dá uma última tragada e pede a conta. Levanta tão lentamente quanto permita o equilíbrio desse gesto e dá o primeiro passo. Confusa, olhas ao redor, quer muito que as paredes se abram em caminhos bem iluminados, de preferência em meio à algazarra de colegiais adolescentes efervescendo ao sol de suas histerias, mas o caminho é outro, cheio de esbarrões e cantadas sujas. Já à rua, você nem percebe que traz o copo e que não há um gole possível ainda repousando no fundo. Volta-se e o atira contra a parede. Todos olham e todos sorriem carrancas podres. O copeiro diz alguma coisa que não te interessa e mais uma vez toma o rumo de um lugar que não existe. Os vazios são preenchidos como que numa alegoria que aos poucos se desenha; ganha algumas cores tímidas e poucos sons naturais. Ouves a notícia de que alguém quebrara um copo, de que alguém sozinha num bar sujo do centro da cidade quebrara um copo contra a parede e que por isso estava sendo ameaçada. Ao mesmo tempo você se desloca entre os tempos de tantos outros passantes sem tempo nenhum para te ver passar por eles; fantasmas de uma mesma caminhada. Você pergunta quanto custa o copo e o rapaz á sua frente não entende nada, desvia e some por um mundo de imprecisões. Você nota que não há nenhum bar ao seu redor e que as vozes que ouves anunciam toda a sorte de impropérios. Não se trata de alucinação, não bebera para tanto, mas te parece tão claro que os vazios agora pareçam monstros prontos a transformá-la num banquete. Tocam seu corpo e tentam puxá-la para dentro de um emaranhado de estórias que nunca ouvira antes, mas que agora são digitadas tão velozmente quanto o copeiro que te aparece com a conta do copo, a conta de um mísero copo. Pois que a vida transformada num copo que se espatifara contra a parede descascada de um bar imundo, pois que transformada em quase nada, pois que a verdade também é uma estória e então, minha cara, que tal atravessarmos juntos a porra dessa avenida e depois cada um tomar seu rumo; eu e as minhas investidas vazias, você e os seus horizontes cada vez mais em pedaços, pois cacos de um mundo pelo chão, que tal, hein?
3 comentários:
Bacana, esta trama... continuamos esperando por você em http://livro-virtual.org 1535 páginas publicadas, 22 livros, 15 autores... falta você! Bjks!
Olá, como vai?
Quem diria, virou mesmo escritor...hehehe...bom esse texto...bom mesmo!
Morandi Salles
Um filme com Daniel Defoe, o melhor ator do submundo das grandes metrópoles.
E eu aqui da platéia te aplaudindo de pé! Sou tua fã!
Agora, cadê meu chá com torradas?
(gargalhada na noite no bar da esquina e uma ruiva falsa cantando um bolero de Manzanero...)
Beijos, amigo!!!
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