quinta-feira, 24 de julho de 2008

Terceiro fragmento de um amor conspurcado

Quando abres a porta e ainda da penumbra fixa-me contra o fundo onde estou, é tão inevitável achá-la virginal; mesmo sabendo que ainda há pouco (antes que a manhã retocasse tua noite avisando-te o quanto ingeriste de álcool) esse alguém, que ouve ainda um vazio, (já que sequer respiramos) a tenha possuído tanto e tão profundamente (que agora me pareças trêmula), mesmo assim a contemplo como a uma Náiade prometida e que só a mim fartaria com tuas águas e sabores, com seus tantos suores e licores. Não há outra concepção de ti a não ser esta que me ofertas com os olhos que sorriem mesmo que lacrimejem nossas ausências. O que de ti concebo não são enlaces e nem cordas, são camadas de cetim que não canso de desnudar, são aparências sacras cuja maquiagem sacrílega acorda-me a tormenta de não poder tocá-la. Ainda outro dia, de tanto que me davas as costas cheguei a pensar que jamais guardaria tua fisionomia, hoje desejaria esquecê-la, arrancá-la das retinas e dos álbuns, mas tudo o que consigo é mirar-te da porta e desejar que te atires no precipício que te ofereço como alma. E como um Hércules pelejando por Dejanira, tento livrar-me do fundo e aproximar-me de ti; um gesto se precipita em afago e uma voz lá de dentro parece aproximar-se aqui de fora.
P
R
I
M
E
I
R
O
FRAGMENTO
Na primeira manhã (mesmo que todas as outras tenham sido mais cálidas) perguntei as horas e não porque você fosse a mais bela dentre todas as donzelas que por ali circulavam, perguntei mesmo pela proximidade, não havia ninguém tão próximo e por um acaso alguém tão próximo era você naquela primeira manhã. Tudo tão perfeito que as horas não mais importavam tudo tão bem encaixado que me restava oferecer-te a vida. Não o fiz, seria exagero. Apontou então para um relógio na parede e em seguida o próprio pulso nu, sem amarras, sem compromissos, sem adornos. Sequer um fio de voz. Agradeci. Você sumiu entre todos e fui procurar o motivo de lhe ter perguntado as horas.
(outra parte do terceiro fragmento)
...talvez a voz que lhe fizera tantas declarações tenha sido outra e agora se aproxima trazendo indagações. O gesto retrocede, mas não volta para o fundo; a voz vem encontrar-me na superfície tomando as dores de Dejanira.
(um fragmento que se partiu do primeiro ou por que vamos embora?)
Uma outra manhã de colorido palavrório, levou-me até você ainda num outono de folhas e transparências. De um lado te olhei do outro me olhaste, sorriu como nunca ninguém o fizera e mostrando o pulso ainda nu, desculpou-se indo embora. O que latejou então, não foi exatamente o teu jeito de ir entre todos, se desculpando por uma ou outra paixão, mas o fato de que teu sorriso não se fixara como a tua expressão mais séria o faria algum dia ainda não pintado em nenhuma de nossas manhãs. S E G U N D O FRAGMENTO Já não sei em qual das manhãs resolvi que te amava amava alguém que me furtava o tempo e que, de algum modo, vivia dizendo adeus e antes que assim o fizesse novamente, toquei as flores nos teus cabelos e prometi um jardim. Sorria-me estrelas, constelações inteiras na órbita da sua dança e jurou nunca dizer-me as horas.
(quem sabe, o último fragmento)
Quando fechas a porta sei que permaneces, ainda um instante, olhando a profundidade instalada. Sei também que estenderás a mão ao teu companheiro e sorrirás como ninguém nunca antes sorriu; o pulso estará nu sem adornos, compromissos ou amarras.
(uma impossibilidade definitivamente fragmentada) ou
T
E
R
C
E
I
R
O
OTNEMGARF

“eu te amo calado como quem ouve uma sinfonia”
Agora, se você deixar fico ali naquele canto bem quieto dentro daquele silêncio que também seria seu em qualquer uma dessas manhãs preguiçosas. Se você deixar, meu amor, meu silêncio será tanto que não haverá quem me perceba ali acocorado meio voyeur meio fantasma e mesmo que muitos venham e toquem seu corpo não me importarei, pois estarei cego. Alguns odores sussurros uma torneira gotejando suas mãos que projetam vôos seus vôos que são outra inspiração no escuro que então me acolhe, serão as únicas certezas antes que te deites tão nua quanto solitária e sonhes com alguém que te deseja tão completamente que é capaz de viver seus dias dentro de uma invisibilidade sem fuga. Se você deixar volto para mim e para a possibilidade de tocá-la mais uma vez nem que seja de relance nem que seja distante num toque telefônico um e-mail sem sentido ainda assim um desejo; do contrário fico ali ouvindo seus passos quando não sonhas e a insônia te faz ir à janela buscar os perfumes da noite e voltar para um chá amornado por minhas próprias mãos e então, te fazer carícias mesmo que você não sinta já que te vestes tão às pressas para sair e só voltar mais tarde acompanhada de alguém que te faça dançar e gemer e que de repente perceba que a música já estava ali, sempre esteve. Como eu, pelos cantos.

10 comentários:

f@ disse...

Fragmentos desse perfume do chá amor nado pelas mãos que iluminam as palavras que dançam assim nessa música intemporal...
qual sinfonia...
mel o dia se aurora não rompe o silêncio ....
jogo de cabra-cega do coração...

Se tocas mais vezes no cabelo em flor e prometes jardim …
tens de ser o jardineiro, desse jardim de estrelas cadentes tão brilhantes ……
surpresa se ninfa acetinada em vagas horas…

continuação amanhã…
cházinho de flores coloridas acalorado
beijinhos das nuvens

Cristiana Fonseca disse...

Olá Sérgio,
belas palavras, palavras bem tecidas, perfeitamente rendadas, sublimes.
Abraços,
Cris

Oliver Pickwick disse...

Deve ser por causa da mistura de polenta com carne-de-sol. O seus textos tem código de barras, uma identidade. É um estilo reconhecível.
Um abraço!

Cristiana Fonseca disse...

Olá, obrigada pela visita e pelas palavras gentis.
Já tive a oportunidade de ilustrar a capa de um CD, fiz o desenho usando somente o som da canção.
Chama se vozes, esta la no blog.
E vou dentro de alguns meses ilustrar um conto.
Abraços,
Cris

Vanuza Pantaleão disse...

Oi, Sérgio!
Não sou crítica literária(jamais seria), mas senti "uns autores" muito interessantes no seu texto. Uns "sabores" até de Marguerite Duras; Françoise Sagan, também presente. Mas, como nos bons perfumes, o aroma, o estilo era de Sérgio Luyz Rocha e a trama está muito bacana.
Tenho também uns textos, contos, uns romances, mas não quero postá-los, por enquanto. Enquanto não disser "tudo" que me engasga. E, essa do Krajcberg vem me engasgando há muito tempo. Aliás, o Brasil é uma espinha de peixe na garganta de quem pretende ser Verdadeiro, Decente, Criativo e Generoso. Veja, a Renata, mesmo com uma doença séria consegue produzir Cultura do mais alto nível e está querendo se retirar de cena. Vou tentar retê-la.
Amigo! TUA VOZ É IMPORTANTE, PERMANEÇA! Obrigada e, por favor, plante uma roseira no meu túmulo também, mesmo virtual, pois não sabemos se daqui há alguns anos, ainda teremos roseiras pra cultivar. Seu avô deve se orgulhar do neto que viu nascer! Beijossss

Maria disse...

que lindo car�ssimo !!!

delicioso mesmo esse teu texto hein...e esse ch�zinho ent�o...

Samantha Abreu disse...

puxa, Sérgio!
ainda não tinha te lido assim, numa prosa longa, intensa e fragmentada. Achei demais!

Parabéns!
Um beiJOOO

Teste Sniqper disse...

Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão.

Stella Petra disse...

Me embriago de teus sentimentos, me nutro de tuas sensações. Com tuas palavras, desperto o desejo latente de viver e reviver emoções numa viagem mágica que deixa a Alma transbordante de amor...PARABÉNS GRANDE POETA DE ALMA GIGANTE!
Sou um ser privilegiado em poder percorrer livre esse caminho ao seu lado também.
Abraços carinhosos
Stellinha :)

Vanuza Pantaleão disse...

Oi, amigo!
Fiz "um carinho" para o SR DO VALE no nosso blog e tive a boa surpresa do texto que fizeste para ele. Andei adoentada por esses dias, uma gripe, mas vou me dedicar mais a lê-lo e aos links que estás indicando...menos um, risosss.Madrugada, fui dormir!

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