domingo, 21 de fevereiro de 2010

Todos os toques e toda a dor

Há um toque, mas não percebo. Não percebo porque em preto e branco e contra um fundo tão sem cor. Não é preto e branco, mas mesmo assim tão sem cor, desbotado. De tão desbotado me lembrei das tuas faces pela manhã depois de tanta madrugada. Tanta madrugada que o sol que tanto ardeu nos ombros nem parecia mais um sol, mas uma lâmpada sem brilho dessas de corredor de hospital antigo em cujas paredes, invariavelmente, a foto de uma enfermeira diz psiu para quem ainda continua vivo. E vida era tudo o que pedíamos antes de nos olharmos entre cautelosos e penalizados; você ainda com o corte no supercílio, eu ainda menstruada, louca pra chegar em casa e me esquecer debaixo do chuveiro. Sempre penso naquela cena do Hitchcock quando me esqueço no chuveiro. Quando o sangue escorre pelas pernas, então, nem se fala, só falta você aparecer de peruca estilo Norman Bates e faca nas mãos e acho que aí não faltaria mais nada, talvez eu devesse cortar o cabelo como o da atriz, talvez fosse melhor a gente se apressar, esse corte parece feio e pode infeccionar. Sempre que digo coisas assim você ri, você acha que tudo é porque não tem outro jeito, pergunto se tem a ver com destino e você diz que não, diz que tem a ver com as coisas que a gente faz e faz porque escolheu fazer não porque um controlador invisível mexeu os fios. Você diz que deus não existe e se existe você não gosta dele, diz que se existe é um déspota se divertindo com suas marionetes loucas. Estamos juntos há algum tempo. Tempo bastante para que saibamos dos nossos cheiros e sabores em qualquer situação, quer dizer, ainda não senti seu cheiro quando você está com medo, você sente medo, não sente? Todos nós temos medos. Eu tenho medo de barata e de cemitério a noite, também tenho medo de igrejas vazias, descobri outro dia, naquela manhã chuvosa, a gente voltava da balada e resolveu se proteger na igreja, de repente você sumiu e percebi a porta entreaberta, não tinha missa nem nada. Fiquei com medo e voltei pra chuva. Você apareceu e cantou com um resto de voz que eu vinha toda molhada e despenteada, que maravilha que coisa linda, eu o seu amor. Meu irmão tem medo de você e da maioria dos caras que saem comigo, meu pai tinha medo do vizinho, jurava que ele era maluco, ok, eu sei por quem ele era maluco. E você, tem medo do que? Notou que tudo está em preto e branco? Será que estamos sonhando? Eu sonhando com você e você sonhando comigo. Sonhamos juntos o mesmo sonho e nos cansamos tanto que é melhor a gente dar um tempo. Olha só, isso é um toque, agora sei que é. A gente espera clarear de vez e se enfia no primeiro trem. É um toque, tem alguma coisa errada, porra! Acredita. Acabei de descobrir que também tenho medo destes toques do além. Olha lá, aquela menina, que porra uma menininha tão novinha faria a essa hora no meio da rua me olhando e acenando, diz? Você não tem medo? Só pode ser um fantasma, assim sem cor e tão destacada com essas rosas tristes nas mãos e acenando e se aproximando, parece sorrir, mas chora, parece choro, mas é um sorriso tão lindo e tão feio, se aproximando tanto, e tão perto, moço, compra uma rosa prá moça, compra?

7 comentários:

Anônimo disse...

heheh vc comprou a rosa pra moça??

gosto do jeito que vc escreve... CRU...preto no branco, ou melhor, branco no preto...
beijos
Susan (sem inspiração hoje)...

Vera Basile disse...

De tão real, parece sonho! Amei esse conto!! Vou trabalhar numa imagem pra ele, surreal é claro..rs..bjos

Luna disse...

A preto e branco tão real como a vida que nos cerca, os medos cinzentos que nos fazem parar á porta das nossas vidas
beijitos

Pelos caminhos da vida. disse...

Bom domingo

Hoje é domingo...
dia lindo lá fora...
quero lhe desejar...
um lindo e iluminado domingo pra você...
desejo que seu dia de domingo...
seja cheio de alegrias...
que você viva suas fantasias...
ouça os pássaros...
veja as borboletas... circulando pelas flores...
buscando o néctar...
buscando a doçura dessa vida...
Que os raios do sol...
transmitam-lhe alegria...
....vida...
....energia...

Se a chuva manter-se

que traga-lhe gotas de bênçãos....
Faça uma fotossíntese em sua alma...
pense em Deus... ele te ilumina nesse domingo...
Te iluminará sempre...
Hoje é domingo...
Viva... ria... corra....divirta-se...
Distribua amor para quem
você ama...
Aproveite esse domingo...
Distribua o seu amor...


beijooo.

Sr do Vale disse...

Serginho, tenho medo de ler estas coisas e ver a mim mesmo, como se olhasse no espelho opaco após o banho.

Vanuza Pantaleão disse...

Primeiro dizer de saudade. Saudade mesmo daqui e de você!
Por que tenho que associar as coisas? Acabei de assistir um filme tipo história em quadrinho, preto e branco com toques vermelhos e um toque do Tarantino. Violento, mas violência charmosa, existe isso? Foi o que percebi.

Aqui, em preto e branco ela menstrua sob o chuveiro e uma tela de cinema ao fundo com Hitchkoc (assim mesmo?) espreitando, manipulando, ela fala em Deus e percebo alguma contestação...

Serginho, um dia, você vai me explicar como escreve assim! Não vai!(sorriso)
Seus links de convite, tão elegantes e irrecusáveis...

Bom dia, senão o café esfria!
Compre a rosa da menina: um real, só um real e essas mãozinhas sem cor, "desencarnando lá no brejo da cruz..."

Um beijo! Mas não se esqueça que precisamos de você!!!
[que a sua senhora não tenha ciúmes, é muita amizade, tá?]

sandra disse...

vc escreve coisas com asquais me identifico...particularmente essa...
beijão
sandra zaim

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