sábado, 3 de julho de 2010

CONDICIONAIS

Precisaria mesmo de um corte mais profundo, um instante mais alucinado que trouxesse o alento de um antigo sentimento ou mesmo os odores daquela relação. Precisaria mesmo de um corpo em lumes, enlouquecido de porta em porta, espiando por entre a troca de luzes outras presenças imprecisas, cujos nomes inaudíveis se faziam sussurrar. Precisaria mesmo de outra morte mais definitiva, de um rio ainda mais enfurecido que me afogasse para sempre dentro das cenas escolhidas, que me mantivesse pétreo incapaz de gesto, vidente destas alucinações enquanto algum dia passasse lá fora e me acenasse um adeus técnico, calculadamente gelado. Quando não mais precisasse de nenhuma emoção, retribuiria o aceno e aguardaria da noite os primeiros bocejos e dormiria em paz, tão tranquilamente que não acordaria para estes dias infiltrados, úmidos, em cuja cabeceira tuas preces revolveriam meus pecados buscando-lhes uma salvação não desejada. Precisaria de um silêncio compacto e de tragadas lentas; gostaria que não me proibissem certos vícios e que me deixassem olhar, de relance que fosse, os trejeitos do teu corpo. Gostaria tanto de tantas coisas indelicadas e indizíveis, coisas como respirar de mais perto os ares de tão longe, viver dias sequer contados no calendário do seu tempo, coisas como sonhar os sonhos de um animal extinto ou acordar nas manhãs de outra civilização. Precisaria desaprender hábitos e enfiar-me de corpo e alma no vício da sua visão, gerar outras estórias e sorrir com dentes novos antigas aspirações; sim, seria tão mais necessário olhá-la por ângulos improváveis só para crê-la menos encantadora e então arrebatar-me esconjurando cada detalhe da tua silhueta. Precisaria tanto decidir-me se eu ou se outro além dessas insinuações, além dos sabores que trago vivos na saliva. Precisaria até encerrar-me em mar alto sob todos os sóis pretendidos pela vida e salgar os olhos com tanta imensidão. Até das saudades levadas em desatino como se acaso destino desta mesma improvisação que é amar-te todos os dias, eu precisaria. Precisaria concessões e finais escritos sob medida; fotografá-la de ímpeto e agressão invadindo teu quarto quando já descartado dizendo-te não as palavras que me inspiras, mas aquelas devidas. Precisaria, ao invés de uma cena qualquer, apenas pedir-te um beijo, e mesmo que eu ficasse pelo caminho, beijar-te simplesmente.

8 comentários:

Sr do Vale disse...

Sérgio, esse texto caiu como uma luva sobre meu momento, suas rasgaram-me por dentro.

abraços

ANALUKAMINSKI PINTURAS disse...

Sempre aprecio a tua escrita surreal e lírica, vibrante e sinuosa, ao mesmo tempo sôfrega e suave... Fico pensando no quanto a linguagem com sua mobilidade e força consegue traduzir os sentimentos humanos, mesmo quando tocam o indizível ou desejam o inatingível... Penso na mágica da poesia e na fluidez da letra e dos significados, tão móveis e errantes... Belo e apaixonado texto, meu caro! Deixo meus abraços alados azuis.

sandra disse...

pois é serginho...pois é...

Fabrício Brandão disse...

Querido amigo,

Tua escrita sabe percorrer nossas vias sensíveis. É muito bom pousar os olhos aqui.

Abraços ternos!

Alis disse...

Sérgio...

de um rio como o mar... a transbordar de espuma e gaivotas...
... "asas" de cores perdidas no arco-íris..
.
.
.
... sempre o B e l o

beijinhos

f@ disse...

ah Sérgi...
o beijo s a l picado

Vanuza Pantaleão disse...

Amigo mui querido,
Você tem o direito de aparecer e des-aparecer, [risos] quando bem entender. Lembra quando o Tim Maia sumia e não ia aos espetáculos programados? Ele podia e pronto! Você é o nosso "Tim Maia", você pode e ninguém vai obrigá-lo a ser diferente. Pelo contrário, sempre te gostaremos cada vez mais.
A sua trama é tão bacana, tão bacana que a simplicidade de um beijo se transforma em algo muito especial.
Espetacular!
Cada vez melhor esse menino de Sergipe!
Um grande e carinhoso abraço, Sérgio!!!

Maria Luiza disse...

Pra vc.

Se existir algo mais doce.....me avise..
Preciso sempre ler seus textos...
Uma grande necessidade diaria.
Nunca pare.

Maria Luiza

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