domingo, 29 de novembro de 2009

Outra bárbara natureza


Enquanto dormes fico de um lado para o outro esperando que amanheça como de tantas outras vezes (amanheceria sem que ao menos um ruído fosse destacado do fundo sonoro de pássaros madrugadores ou mesmo que outra bárbara natureza se derramasse sobre tudo) e que saias, finalmente, as sete em ponto desafiando interlocutores BÁRBAROS. Fico cuidando da casa, de cada poro sobre o tecido do tempo, cada corte mais brusco de uma cena para outra, cada falha na pintura dos rostos que vivem nos espelhos trincados, cada grão de poeira, cada nova caricatura pelo buraco da fechadura, cada novo sentido que me faça um pouco mais fechado à vizinhança. Dormir é algo que não sei mais, então leio as notícias e te mando e-mails o dia inteiro, almoço só com as minhas circunstâncias e torno à portinhola para olhar a rua e seus MISTÉRIOS. Dentro de um deles tu inspiras homens e mulheres e só tu excitas assim os transeuntes apressados, de repente bárbaros e indóceis aos tropeções buscando ávidos teu rebolado SOB A GAROA, teus passos apressados ritmando cristos redentores e consolações congestionadas. Tudo tão misterioso no espaço compacto da portinhola que prefiro folhear os magazines retrôs enquanto no metro tu despencas por profundidades febris e enfrentas monstros repugnantes, reis torneados em ouro e diamantes, amantes brutais que te despem solitários e tremelicam corpanzis pouco asseados. Quando regressas, surges sorrindo com a rua por detrás e perguntas o que fiz aquele tempo todo de batalhas insanas, digo das encomendas e de um som agudíssimo que ouço quase sempre entre um sonho e um gole de gim, justamente quando apareces com a silhueta recortada por um poente do outro lado da rua que se estampa em meus olhos feito poemas de um amor piegas e doloroso. Quando tu regressas, o que em torno do mundo se consagra são estrelas de outra natureza diferente dos deuses e das dúvidas, estrelas que não cobram companhia. Quando não dormes usa-me até a exaustão me deixando para depois quando ronronas meu nome e dá sentido à vida e à minha ida por entre as estrelas que descreveste um dia como brilhantes suspensos, uma metáfora dos próprios olhos pousados sobre as luzes da cidade bárbara, refletidos para sempre na manhã que por cima de si puxa as cobertas cinzas.

8 comentários:

Vanuza Pantaleão disse...

Quero ser a primeira a puxar tuas cobertas cinzas. A primeira a anunciar-te o apagar das luzes bárbaras e abrir as janelas ao sol que te fustiga a pele e te cega os olhos, pois que fitar o sol é coisa para a águia e somos homens, pessoas com olhos de carne e estômagos famintos de mais que poesia...se for preciso, volto!
Bom domingo, Sérgio!!!Bjsss

Susan Blum disse...

Cobertos de cinzas... basta soprá-las... cinzas do cotidiano, da rotina desvairada que leva o verde da vida.
Bárbaros somos nós, que lambemos as feridas ao fim do dia, felizes por estarmos vivos e sem perceber que o mais morto é aquele que vive nas cinzas...
Sérgio.
nem sei o que dizer...
então, o melhor é apenas agradecer.
Agradecer por belas palavras, agradecer pela amizade apesar de tudo!
Obrigada. Vc sempre me leva a refletir sobre a vida!
Beijos meu amigo querido...

Elvira Carvalho disse...

Passei. Li o texto de que gostei muito. Não é fácil a sua escrita para mim mas é sempre muito agradável.
Um abraço e bom fim de semana

Anônimo disse...

O PADRE, A MOÇA

7.

Quando lhe falta o demônio
e Deus não o socorre;
quando o homem é apenas homem
por si mesmo limitado,
em si mesmo refletido;
e flutua
vazio de julgamento
no espaço sem raízes;
e perde o eco
de seu passado,
a companhia de seu presente,
a semente de seu futuro;
quando está propriamente nu;
e o jogo, feito
até a última cartada da última jogada.
Quando. Quando.
Quando.


Carlos Drummond de Andade - Lição de Coisas - Ato

f@ disse...

Olá Sérgio
beijinhos vou ler e depois volto

f@ disse...

Olá Sérgio,
Desejo-te
B
O
A
S

F
E
S
T
A
S
e um Ano Novo cheio de Alegrias Amor e Paz…

!nfinito
Beijinho

Joe_Brazuca disse...

o téxto é esplêndido, claro...

e apesar de ter entendindo a intenção e a "intensão" "da cor da letra" ("semiótico", diria, pra coadunar com o clima...rs) ficou difícil de ler ( e olha que eu tenho um baita monitorzão...)...rsrs

Serginho, amigo AINDA virtual,
que uma dia cumprimentarei ao vivo e colorido, um Feliz Natal procê e as filhas lindas !

abs

Joe

célia musilli disse...

Belíssimo texto derramando poesia sobre o cotidiano. Um bj!

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