segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Vinte e quatro quadros

 

Enquanto permanecias retida na fotografia, latejava por dentro uma agonia salgada de espelhos vivos e águas indiscretas, também danças que bruxuleavam junto ao furta-cor de uma castidade imediata. Quando movias a cena como no cinema, ao redor folhas de um outono esmaecido rodopiavam tangidas por acenos e descuidos. Quando então te movimentavas decidida, paralisavam-se as dimensões e dos cenários rasgados escapuliam tuas faces, teus trejeitos e todos os teus personagens. Escapulia inteiramente lânguida fatal e lançada nave lúbrica. Quando resolveu olhar, já destacada da imobilidade em preto em branco, eu já caminhava apressado. Pude sentir o fogo dos teus olhos verdes cravados na minha nuca. Não olhei. Preferi mantê-la como a uma fotografia que eu pudesse simplesmente fechar num álbum ou suprimir de meus arquivos. Esqueci-me, contudo, tratar-se de um filme e os efeitos especiais foram tão mais eficazes que acabei prostrado vendo-a a minha frente em desafio. Teus olhos já não eram fogo, eram pura euforia e dentro desta euforia teu coração batia descompassado, ora um tango levado por Piazzolla ora retumbante Vai-vai despencando pela avenida. Resolvi procurar outra saída e descobri que todas as vias estavam repletas de sonhos inacabados que se agarravam à noite como quem luta desesperadamente por um amor silenciado na dinâmica de vinte e quatro quadros.
Desde então é assim que vejo as horas e todo o espanto nos teus olhos enquanto as ladeiras se movem em meio às estórias tantas e tão caóticas que tomam as guias e calçadas obrigando todos a se esgueirarem rente às paredes como que tateando um escuro lúgubre e pegajoso do qual escapolem os motivos de tanto espanto. Assim me encontro próximo, mas impossibilitado de acarinhar-lhe o rosto e mesmo de apontar um meio menos doloroso de abrir-se o tempo para penetrar num outro mundo de intensidades musicais ou aonde as máscaras não escondessem o revés diário e fossem apenas brinquedos sensuais. Se, finalmente, conseguimos nos encontrar, mesmo que a multidão se acotovele e grite e nos olhe com olhos amanhecidos e vorazes, mesmo que se descabelem e afundem num lamaçal ainda nem desenhado, mas já tão presente sob nossos pés, então o tempo submerge fotografado pela ansiedade que nos esconde sob os lençóis flagrados em vinte e quatro quadros.

18 comentários:

Anônimo disse...

quase sem fôlego: Belíssimo!!!!

Vera Basile disse...

Faço minhas as palavras da Dani,
BELÍSSIMO!!!!!
Aliás, como sempre.

Anônimo disse...

Uau!! O que comentar? O que acrescentar? Está tudo maravilhosamente detalhado neste texto. Belíssimo texto.

Beijos!

Anônimo disse...

cinema!!!!

f@ disse...

Olá Sérgio, Genial este texto...
A Correr do sonho ou para ele… que é breve o tempo e “cala –se” a escutar as quimeras que passeiam no espaço de sonhar…
e o “abismo” com musical de vento… flaute ando cada instante a multiplicar por uns 60 segundos…
Então quem sabe o sonho perdure pendurado no fio dos sentidos até se abrir a saída para um vasto espaço quadriculado com adornos de asas …
Beijinhos das nuvens

Claudinha ੴ disse...

Olá Sérgio!
Um texto muito bacana! Um belo filme de amor , visto com os olhos da alma. Aliás, este sentimento tão nobre nos faz ver assim as coisas.Uma sedução e um relato cujas palavras dançam em nossa frente, qual a musa em sua emoção. Parabéns!

Cristiana Fonseca disse...

Olá Sérgio,
teu texto esta belíssimo, você é um escritor maravilhoso.
Tua escrita é única e me encanta.
Parabéns esta lindo o texto
È impressão minha ou esta mulher esta girando no sentido anti-horário? Devo esta vendo coisas onde não tem, srsrs

Beijos,
Cris

Sr do Vale disse...

Séginho, seu texto nos leva quadro a quadro até as imagens presentes e as imaginárias, e olha que o lamaçal ainda nem foi desenhado, quem sabe?

Abraços.

Samantha Abreu disse...

pois saiba que as tramas, aqui, são tuas palavras, querido.
Tramas bacanas de boas.

Um beiJO!

Vanuza Pantaleão disse...

Sérgio!
Tu és elegante até quando discordas...E deves! Mas, convenhamos, tantas ligações amorosas e doenças...Tá bom, respeito as tuas e as controvérsias de todos. Ao final, se somam e temos um perfil mais completo, já que, propositadamente, gosto de tecer apenas a memória afetiva, quase adolescente, desses ícones. Tudo o mais fica por conta de vocês...Mas a tua escrita é um quadro em movimento mesmo e rodopia como essa bailarina que já conhecia, mas mereceu de ti esse texto quase "Clariceano". Lembrei-me dela, juro! Mas, não me leves a mal, não estou sugerindo nada de mal, pois tens personalidade literária e sabes exercê-la com competência.
Que noite estranhamente...Bjsssss
(obrigada)

Vanuza Pantaleão disse...

Mudanças no layout? Gosto de mudanças...
Como começar? Vou ter que te contar a verdade, Sérgio, ou você não adivinhou?
Gilda, Rita,Alan Delon, enfim, quaisquer mitos que tenham sobressaído no passado, têm para mim, servido de "pretextos" para outras discussões, daí, raramente, me verás fazer uma resenha certinha, mesmo tendo aqui o Google, esse instumento que substitui o antigo "pai dos burros", o dicionário. A própria Clarice, certa feita, num dos seus contos me deu uma dica, mais ou menos assim:"- Ao puxarmos um fio de tapete, nunca saberemos ao certo como este se desenrolará..." Daí, fiquei com essa "vontade" de puxar fios de várias cores, tecituras, caros, baratos...O meu gosto artístico-estético se desenvolveu ao sabor de várias vertentes, uma delas, até muito acadêmica, mas as outras populares, popularescas. Gostava muito de ler as mini-resenhas do JB do passado, com Maria Helena Dutra, eu ria demais quando ela apelidava certos filmes de "aventuras descabeladas" e até os recomendava. Mas, por outro lado, nunca abandonei a genialidade dos "Bergmans", "Pasolines", "Fellines". Mas, devo isso, em parte, ao meu pai, que era um cinéfilo e fotógrafo amador à moda dele, claro! Daí, nos criamos vendo Oscarito e Grande Otelo, dirigidos por Carlos Manga (que diretor excelente!) e vendo filmes mexicanos, cubanos, franceses, italianos e misturei na cabeça "Nouvelle Vague"(Acossado) com Maria Félix e a rumbeira cubana, Maria Antonieta Pons. Sim, tenho que fazer justiça aos belos dramalhões da fantástica espanhola Sarita Montiel, hoje com 80 anos...Pronto, pintou o saudosismo!
Então, essas "DIVAS" de um certo ponto em diante, só tinham que representar "a si mesmas", mesmo que tivessem cursos e mais cursos shakespeareanos, o público assim o exigia e a máquina do cinema as "obrigava" e os milhões de dólares rolavam e ainda havia a política da Guerra Fria e todas as guerras do poder...E daí? Éramos felizes;Jk, Brasília, a indústria automobilística em ascenção; Kennedy, suas famosas amantes e o charme de Jaqueline. Sinatra(esse cantava e representava mesmo);Elvis com aquele carisma e vozeirão não precisava nem representar,rssss.
Melhoraste o meu astral com esse elogio, mas vou devolvê-lo e com justiça, pois essa tua foto me trouxe o belo e venerado Che (evitemos a questão política)...Mas, topo o desafio! Façamos a "lista das Divas do Cinema" e não nos esqueçamos do produto nacional, hein? Temos por aqui, material de primeiríssima e só para exemplificar: Norma Bengell e Odete Lara. Viu? Peguei pesado agora, risosss...E Rita, que decanse em paz!
E Clarice que chegou a receber "prêmio de feitiçaria" na Colômbia, permanecerá em ti, em mim, em todos em quem tocar!
Tu me obrigas a falar e falar contigo é um deleite!Bjsssss

Linda Graal disse...

o que tramas é sempre belo!

saudades daqui...

essa imagem da bailarina me dá uma nauseasinha...rsss... qual cérebro utilizas mais?! rss

excelente sempre, querido!

beijinhos

Stella Petra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Stella Petra disse...

Quadro a quadro me vi, revi, revivi querido amigo. Que beleza os momentos que você me proporciona. Quando aqui me encontro, perco totalmente a noção de tempo e espaço...viajo, sonho, lembro, esqueço, reencontro e, sabe o que é melhor em tudo isso? Com outros olhos...os olhos da Alma, pois só esses têm, aqui, nesse encontro, esse direito e poder...
Ah! Querido amigo, doces lembranças da infância, adolescência, quando aos domingos meu pai me levava assistir, Rita Pavone, quantas lágrimas de emoção, mazaropi, quanto riso, Oscarito, Charles Chaplin, quantas lições de amor, Sofia Loren, ( Ontem, Hoje e Amanhã ) é um de seus filmes que tenho paixão pela maneira como nos faz refletir em tom de comédia. Eu queria ser ela...rs, Marcelo Mastroianni, nem se comenta...Fantástico... essa lista seria interminável...
Meu amor pela tela Gigante vem dessa fase encantadora na minha vida...é uma das lições que carrego comigo até hoje.
Obrigada querido amigo, por me levar por mais essa doce e bella viagem
Beijabraçossssssssssssss – como você me ensinou!!!rs
Carinhosamente
Stellinha :)

Stella Petra disse...

O novo layout está MARAVILHOSO!

Lembrou-me o título do livro de Kapra - A teia da Vida
Beijos :)

Vanuza Pantaleão disse...

E aí, meu amigo?!
Pensei que teria uma segunda tanquilinha, mas me deu na telha e aceitei "teu desafio", e tome de "divas", rssss...Agora, faltam as tuas.
Trabalheira, depois veja lá!
Gostoso final de tarde...

Vanuza Pantaleão disse...

OPS:"tranquilinha"

Oliver Pickwick disse...

Somente de "enquanto" até a palavra "imediata", já criaste um universo complexo e "tramoso". Nem precisava ler mais nada, mas, como é meu amigo, continuarei. :) És único na arte de contar estas histórias de encontros e desencontros urbanos.
Quanto ao tango, aposto que era Por Una Cabeza
Um abraço!

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