terça-feira, 12 de agosto de 2008

Em ti e no silêncio que habitei




A sala solta no ar de sílabas flutuantes dizia tudo por segundo. E dizer sempre foi um modo de deslocar-se entre as sedas de um silêncio habitado que, esgueirando-se pelas frestas da veneziana, vinha nos acordar com o sol.
Pequenas mentiras de rodapés e discursos de soleira encontravam-se na densidade morna do ambiente e deslizavam pela decoração provocando um alarido de tantos tempos e tantas alucinações, um vozerio incontrolável vindo do dia anterior e da ulterior indisposição em controlar-se.
Se os vasos reclamassem sementes, se os lustres conspirassem luzes, se as cadeiras queixosas pedissem descanso, se por um segundo o silêncio fosse apenas um soluço, uma interrupção física, um pedido de asilo, uma outra conspiração que intercedesse por qualquer coisa além de uma estória repetida, se teu corpo ressentido soluçasse a ausência do meu ou, ao contrário, se me invadisse farta e palidamente, então os espectros não se resignariam e abririam ruidosamente portas e janelas que de fora trariam outras sentenças e querelas produzindo uma quadro de antropologias distantes que inspirariam semelhanças e levariam sonhos aos corredores até então vazios.
Vazios de mim e de ti que nunca mais vi nem nada além de vê-la num retrato sorrindo ainda um pouco.
Via-se um fim contido nas mãos postas pedintes em oração, via-se um arremate costurado no bordado dentro da confusão que não se abatia, via-se o olhar calado navegando direções esculpidas nos destroços do coração, ouvia-se o suspiro último de Kerouac convertido ou a dança da morte no grito do teu corpo curvilíneo, ouvia-se a preguiça dos litros e litros de vinho e mais que tudo se percebia arrependido num canto o que antes trovejara em cada ouvido e não calara porque rogado: silêncio.
Não o silêncio que gotejava a cada minuto em que nos olhávamos, mas o silêncio absoluto, previamente instalado, dono de si e de todos, guardião das incertezas e dos tormentos, senhor das horas ancoradas em meio ao degelo irracional das idéias. Naquele canto, obrigado dia e noite ao convívio dos ruídos das almas e dos corpos, o silêncio primeiro, aquele que precedeu o verbo e gerou a escuridão, parecia indefeso, tão indefeso quanto o homem que lhe habitava, que lhe cobria as vergonhas com a decência mesquinha, que escrevia versos como quem fere a própria cria, como quem chorava sem razão sobre a loucura que tanto o aprazia.

10 comentários:

Anônimo disse...

sergio...
o deslizar entre as idéias é claro - esfumato .
obrigado por apresentar-se.
é necessário a divulgação de quem vive, viveu.
afonso alves
cuiaba - mt

Cristiana Fonseca disse...

Olá Sérgio,
Como é bom ler-te. Tua escrita é única, simplesmente bela.
Tua escrita é charmosa, fascinante, encantadora.
Beijos,
Cris

mundo azul disse...

...muito bom o seu texto! Na maioria das vezes,não aprecio textos assim, longos...Mas, o seu é muito bom!!!

Gostei de conhecer seu espaço!

Beijos de luz...

alineaimee disse...

Muito lindo esse texto, Sérgio! Ele flui com beleza e intensidez. Parabéns!

f@ disse...

Texto habitado de silêncios fascinantes…
Como é que eu assim silenciosa mente vou dar a volta a este teu texto rico de tantos espaços invisíveis … de momentâneos sucessivos e lentos silêncios na tua “planície” de palavras a espiar a letra duma canção de embalar…
Apanhas ar no silêncio…o silêncio no ar… e guardas numa caixinha de rede para ele respirar e assim escutares dele a respiração…
beijinho das nuvens

Sr do Vale disse...

Um texto que revela segredos como se o interlocutor falasse com o personagem, que é o próprio autor.
Uma construção forte.
Parabéns Sérginho.

Abraços.

Stella Petra disse...

Querido amigo Sergio!

A sutileza de suas palavras é de uma grandiosidade ímpar...se despe de conceitos levando-nos a uma viagem encantadora...fez-me lembrar, esse seu lindo conjunto de sentimentos, de uma frase de Leonardo da Vinci, "As mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar."
Uma semana encantadora
Abraços carinhosos
Stellinha :)

Anônimo disse...

esse me parece aquele silêncio, que coça a alma. aquele silêncio que nada tem de íntimo, e sem prazo de validade para acabar!
Sérgio, lindo texto!

Anônimo disse...

gostou da homenagem lingüística?

Oliver Pickwick disse...

"... mentiras de rodapés e discursos de soleira ...
Reinventaste a arquitetura, velho Sérgio!
A propósito, ficarei atento quanto aos meus lustres. É bom saber que eles conspiram. :)
Um abraço!

Twittando

    follow me on Twitter