domingo, 31 de julho de 2011

Eu, o outro

Sou alguém que se pensa como tal, mas pensado por outro sou diferente; aí sou o outro e eu não sou mais. Não ocupo no outro a mesma importância que me dou, nem apreendo do outro, especulações a meu próprio respeito. No outro sou outro alguém diferente daquele que me penso. Vejo-me a partir de mim; este que se vê é o outro. No outro apenas estou. Estar no outro é, obviamente, passageiro, no entanto, ser em si também o é, pois, somos no tempo. O tempo de um nos arremedos do outro, ou o próprio tempo um arremedo de todos? E apesar disso sou eu quem se diz o outro quando converso com alguém, quando caminho, lado a lado, quando amo e mesmo quando contrariado, eu e o outro nos percorremos distintos e enovelados. E sou eu, apenas e tão somente eu, diferente e tão igual porque outro.

domingo, 17 de julho de 2011

Dizeres e um querer dizer

Diga que há uma escada por onde se escape de volta à sensação de um rio que nos carregue; diga que há janelas abertas em corações de festa e farpa e que a franqueza dos gestos acena convites que a alma reconhece; diga que aos poucos divas e comensais aparecerão do nada OU quem sabe saiam dos armários e saltitem por entre as hortaliças como crianças levadas; diga que chove ao mesmo tempo em que nos cumprimentamos e que o vento faz bailar chapéus e lenços até que todos se tenham paramentado um do outro; diga que a confusão é a única brincadeira permitida antes de se lavar as mãos e que o almoço será servido sob as amendoeiras mesmo que aprisionemos um ou outro mago enlouquecido e não nos esqueçamos que é qualquer dia e não há outro jeito senão FAZER AMOR depois das tantas OU mesmo antes já que o vício é bom e nos garante vivos. Diga que ainda carregas no olhar aquela senha que poucos decifram, mas diga antes de olhar, pois não suportaria um olhar vazio; diga que ainda acenas para os bem-te-vis que dormem e sonham num canto depois dos quintais e que quando acordas o que mais desejas é um toque de leve sem pressa que te espreguices demoradamente como se o mundo estivesse em suspenso e todos os olhos, então voltados para o passado, esperassem tu vires ao presente na forma precisa e amada de um desejo em chamas. Diga que o abraço que me escapa me fere de pronto, mas devolve aos olhos tantos dias de amor. Diga que há razões e avenidas que nos tragam de volta, diga que estas distâncias não são poças profundas, mas nunca diga que tudo é descuido, um tombo de cuja profundidade sequer os sonhos consigam escapar.

domingo, 3 de julho de 2011

De tanto você

Não sei bem se foram os mesmos dias perdidos e as noites caminhadas sem rumo de tanto que você me perseguia, predadora sombra material, pesada e densa como uma sopa de imprecisões que eu tomasse de tanto frio e solidão, afinal li tantos livros, ouvi tantas músicas, quase consigo medir o tanto de chuva que caiu no último mês. Perdi um pouco o prumo e o rumo dos caminhos esqueci. De tanto você, parece mesmo é que esqueço o rumo da prosa e me acabo em poesia, uma poesia que mistura os sabores e se inquieta dentro de mim. De tanto você me perco porque desvaneço ardendo das febres que você inspira por dentro e das vodkas servidas às tantas e em chamas. De tanto você nada resolvo com a luz não me envolvo e não volvo para ver Almodóvar te colorir. Fico te assistindo alegórica, passista meteórica de cinta-liga que me desliga e me programa para quando quiser e bem entender. De tanto você me aprisiono, me rendo, me encanto, cedo meu canto aos seus arredores deito meu pranto e adormeço para te comer melhor. De tanto você espio revistas que habitualmente não perceberia fazendo de conta prá ficar mais perto e ter uma desculpa qualquer, não me pegar boquiaberto de tanto você passar em revista meu mundo e investir artista numa tela que amanhece sem me ver. De tanto você cego meus olhos num blues de céu atônito e remoo minha cômica pose démodé. De tanto você me esquecer nem mesmo sei quem sou, imagino que talvez um verme adubando seus quintais florais, talvez brisa na finita vastidão suspensa dos seus varais, mais ainda, pó repousado nos seus poros. De tanto você nem me ver não mais me reconheço, franzo o cenho frente ao espelho que não me olha e me toco para existir. Quando estremeço e procuro alguém ao meu lado não há quem me satisfaça de tanto você.

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