domingo, 22 de maio de 2011

Asas de Ícaro

Não tenho mais dizeres prontos encapsulados nas vértebras, nem condutas pífias e maltrapilhas travestidas nos passos do meu dia, sequer pensamentos que me acompanhem as preces em cuja ponta um iceberg dá destino a pequenos deuses insepultos.
Na aventura que chamam vida, minhas investidas a céu aberto não possuem escudos e nem o pernoite gratuito; criva meus pés com as dores do caminho e cega as intenções de meus desafetos com o aço das palavras.
Se antes a canção acarinhava minha face e sorvia minhas lágrimas para dentro da tempestade, agora me arremessa por sobre os muros de uma vizinhança morta, antecipando as visões de um futuro sem metáforas.
Tenho terrores que escorrem larva pelo peito e fazem de cada paixão um desafio de titã e uma porção de ausências tatuadas que me escapolem pelo profundo do escuro exaltado.
No sobrevoo que precede a queda, o anjo cospe insatisfações antes do asfalto. Na conversão a brisa se torna canção e o inferno lhe toca o plexo, o sexo saboreia tantos outros sabores e as mãos descobrem tantas outras inspirações que os dizeres do paraíso se tornam imprecisões. As asas de Ícaro que tanto me feriram as costas já não são precisas e nem o sol uma grandeza intocável; o caminho é só um fato e percorrê-lo, necessário.

domingo, 8 de maio de 2011

Passageiros (ou, desaparições e espirais)

Sei que logo depois nos encantaríamos com as ruas abertas às pressas já que os sonhos duram tão pouco e dos destroços assomariam sóis. Também rouxinóis feitos reis viriam e mais um devaneio antes de as luzes arrebentarem a mansidão. Sei que acordaríamos presos ao tempo e sem direito ao torpor de novas guinadas e estórias mal contadas que nos fizessem gargalhar mar adentro em espirais brumosas de baleias, golfos, piratas. Sei de tanta coisa estúpida e de tanta beleza escondida, sei de frases que nunca foram ditas e sei dos caminhos que só fizemos em desejo. Sei que sulcamos as vias com passos de fantasmas e que habitamos a vida, um do outro, como reflexos nos espelhos, como entidades cativas. Sei que as ruas movediças fariam lembrar acordes tão anos oitenta, tão agora e, no entanto, tão dentro de um silêncio quase espesso como o rumo que tomaríamos no bar da esquina. Alguém sempre apareceria como que escorado na estória ao lado e tão desejoso de nos dar as mãos e navegar mais um pouco além do sol, mais além da solidão e da cegueira, alguém que não fugiria de si nem dos outros, mas que perseguiria o mesmo silêncio do qual fugíamos. Sei que uns vêm e outros somem, sei que os vincos no meu rosto se multiplicam na medida em que sonho; sei que o sonho é um sol além dos seus olhos fechados e que seus olhos fechados sonham com ruas abertas às pressas para que possamos passar.

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