sábado, 17 de julho de 2010

Terminações nervosas e a dor em prontidão

O cigarro queima entre os dedos da mão direita, enquanto tudo se perde no vazio que olhas.
Além do vazio, vago.
Lá os cantores são charmosos e leem Jack Kerouak e também se comovem com as putinhas tenras que vez ou outra pedem uma canção.
E se faço poesia vagas ou acotovelo o balcão
Na busca estúpida de farelos e inspiração
É porque o vazio é ainda a saída para encontrá-la de lá prá cá
Falando sozinha na vaga da minha poesia enamorada que puta alguma mereceria, não àquela hora.


De repente o copeiro invade o vazio (o que a irrita mais que surpreende) e pergunta se quer mais alguma coisa. Você o olha e aturdida diz alguma coisa no lugar da verdade e só depois descobre que pedira um conhaque. Deixa o cigarro no cinzeiro e apanha (com a mesma mão direita de tantos outros gestos, inclusive aquele de enfiar-se pelo cabelo jogando-o para trás) o copo de conhaque. Fica olhando para ele algum tempo como que procurando o vazio de antes, mas o que encontra são tipos miseráveis desfocados que te observam impunemente. Bebe o conhaque de um gole só, dá uma última tragada e pede a conta. Levanta tão lentamente quanto permita o equilíbrio desse gesto e dá o primeiro passo. Confusa, olhas ao redor, quer muito que as paredes se abram em caminhos bem iluminados, de preferência em meio à algazarra de colegiais adolescentes efervescendo ao sol de suas histerias, mas o caminho é outro, cheio de esbarrões e cantadas sujas. Já à rua, você nem percebe que traz o copo e que não há um gole possível ainda repousando no fundo. Volta-se e o atira contra a parede. Todos olham e todos sorriem carrancas podres. O copeiro diz alguma coisa que não te interessa e mais uma vez toma o rumo de um lugar que não existe. Os vazios são preenchidos como que numa alegoria que aos poucos se desenha; ganha algumas cores tímidas e poucos sons naturais. Ouves a notícia de que alguém quebrara um copo, de que alguém sozinha num bar sujo do centro da cidade quebrara um copo contra a parede e que por isso estava sendo ameaçada. Ao mesmo tempo você se desloca entre os tempos de tantos outros passantes sem tempo nenhum para te ver passar por eles; fantasmas de uma mesma caminhada. Você pergunta quanto custa o copo e o rapaz á sua frente não entende nada, desvia e some por um mundo de imprecisões. Você nota que não há nenhum bar ao seu redor e que as vozes que ouves anunciam toda a sorte de impropérios. Não se trata de alucinação, não bebera para tanto, mas te parece tão claro que os vazios agora pareçam monstros prontos a transformá-la num banquete. Tocam seu corpo e tentam puxá-la para dentro de um emaranhado de estórias que nunca ouvira antes, mas que agora são digitadas tão velozmente quanto o copeiro que te aparece com a conta do copo, a conta de um mísero copo. Pois que a vida transformada num copo que se espatifara contra a parede descascada de um bar imundo, pois que transformada em quase nada, pois que a verdade também é uma estória e então, minha cara, que tal atravessarmos juntos a porra dessa avenida e depois cada um tomar seu rumo; eu e as minhas investidas vazias, você e os seus horizontes cada vez mais em pedaços, pois cacos de um mundo pelo chão, que tal, hein?


sábado, 3 de julho de 2010

CONDICIONAIS

Precisaria mesmo de um corte mais profundo, um instante mais alucinado que trouxesse o alento de um antigo sentimento ou mesmo os odores daquela relação. Precisaria mesmo de um corpo em lumes, enlouquecido de porta em porta, espiando por entre a troca de luzes outras presenças imprecisas, cujos nomes inaudíveis se faziam sussurrar. Precisaria mesmo de outra morte mais definitiva, de um rio ainda mais enfurecido que me afogasse para sempre dentro das cenas escolhidas, que me mantivesse pétreo incapaz de gesto, vidente destas alucinações enquanto algum dia passasse lá fora e me acenasse um adeus técnico, calculadamente gelado. Quando não mais precisasse de nenhuma emoção, retribuiria o aceno e aguardaria da noite os primeiros bocejos e dormiria em paz, tão tranquilamente que não acordaria para estes dias infiltrados, úmidos, em cuja cabeceira tuas preces revolveriam meus pecados buscando-lhes uma salvação não desejada. Precisaria de um silêncio compacto e de tragadas lentas; gostaria que não me proibissem certos vícios e que me deixassem olhar, de relance que fosse, os trejeitos do teu corpo. Gostaria tanto de tantas coisas indelicadas e indizíveis, coisas como respirar de mais perto os ares de tão longe, viver dias sequer contados no calendário do seu tempo, coisas como sonhar os sonhos de um animal extinto ou acordar nas manhãs de outra civilização. Precisaria desaprender hábitos e enfiar-me de corpo e alma no vício da sua visão, gerar outras estórias e sorrir com dentes novos antigas aspirações; sim, seria tão mais necessário olhá-la por ângulos improváveis só para crê-la menos encantadora e então arrebatar-me esconjurando cada detalhe da tua silhueta. Precisaria tanto decidir-me se eu ou se outro além dessas insinuações, além dos sabores que trago vivos na saliva. Precisaria até encerrar-me em mar alto sob todos os sóis pretendidos pela vida e salgar os olhos com tanta imensidão. Até das saudades levadas em desatino como se acaso destino desta mesma improvisação que é amar-te todos os dias, eu precisaria. Precisaria concessões e finais escritos sob medida; fotografá-la de ímpeto e agressão invadindo teu quarto quando já descartado dizendo-te não as palavras que me inspiras, mas aquelas devidas. Precisaria, ao invés de uma cena qualquer, apenas pedir-te um beijo, e mesmo que eu ficasse pelo caminho, beijar-te simplesmente.

Twittando

    follow me on Twitter