terça-feira, 29 de julho de 2008

Desejo, palavra e vida


Desenhe minha palavra e use as cores da moda, use um toque indigitado e uma pergunta indiscreta.
Use trajes típicos e não demonstre arrependimento. Desenhe o que ouvir e o que acreditar ter ouvido; a diferença, embora abismal, não causará danos assim tão irreparáveis.
Passeie dentro de uma paisagem em silêncio e note que o traço perfeito buscará linhas em perspectiva, e que a fuga revelará um sorriso antes adormecido no turvo empobrecimento da escolha. Perceba quase nítido alguns homens que se levantam e caminham nus sobre um chão de explosões.
Desenhe minha palavra no escuro e deixe o tom se acostumar à presença das serpentes, estas minhas companhias de todas as horas. Verás que as formas se oferecerão mais fartas e que seus modos, mais sensuais então, permitirão o toque.
Desenho, palavra e vida, não necessariamente nesta ordem, pactuam sem a famigerada proteção divina; preferem assim que é mais um improviso do que um arranjo pronto, mais um sabor que uma expectativa incorpórea.

(Pintura digital - "Paisagem Silenciosa" - no blog http://particulasdosentido.blogspot.com/ - do meu grande amigo, Sr. do Vale)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Terceiro fragmento de um amor conspurcado

Quando abres a porta e ainda da penumbra fixa-me contra o fundo onde estou, é tão inevitável achá-la virginal; mesmo sabendo que ainda há pouco (antes que a manhã retocasse tua noite avisando-te o quanto ingeriste de álcool) esse alguém, que ouve ainda um vazio, (já que sequer respiramos) a tenha possuído tanto e tão profundamente (que agora me pareças trêmula), mesmo assim a contemplo como a uma Náiade prometida e que só a mim fartaria com tuas águas e sabores, com seus tantos suores e licores. Não há outra concepção de ti a não ser esta que me ofertas com os olhos que sorriem mesmo que lacrimejem nossas ausências. O que de ti concebo não são enlaces e nem cordas, são camadas de cetim que não canso de desnudar, são aparências sacras cuja maquiagem sacrílega acorda-me a tormenta de não poder tocá-la. Ainda outro dia, de tanto que me davas as costas cheguei a pensar que jamais guardaria tua fisionomia, hoje desejaria esquecê-la, arrancá-la das retinas e dos álbuns, mas tudo o que consigo é mirar-te da porta e desejar que te atires no precipício que te ofereço como alma. E como um Hércules pelejando por Dejanira, tento livrar-me do fundo e aproximar-me de ti; um gesto se precipita em afago e uma voz lá de dentro parece aproximar-se aqui de fora.
P
R
I
M
E
I
R
O
FRAGMENTO
Na primeira manhã (mesmo que todas as outras tenham sido mais cálidas) perguntei as horas e não porque você fosse a mais bela dentre todas as donzelas que por ali circulavam, perguntei mesmo pela proximidade, não havia ninguém tão próximo e por um acaso alguém tão próximo era você naquela primeira manhã. Tudo tão perfeito que as horas não mais importavam tudo tão bem encaixado que me restava oferecer-te a vida. Não o fiz, seria exagero. Apontou então para um relógio na parede e em seguida o próprio pulso nu, sem amarras, sem compromissos, sem adornos. Sequer um fio de voz. Agradeci. Você sumiu entre todos e fui procurar o motivo de lhe ter perguntado as horas.
(outra parte do terceiro fragmento)
...talvez a voz que lhe fizera tantas declarações tenha sido outra e agora se aproxima trazendo indagações. O gesto retrocede, mas não volta para o fundo; a voz vem encontrar-me na superfície tomando as dores de Dejanira.
(um fragmento que se partiu do primeiro ou por que vamos embora?)
Uma outra manhã de colorido palavrório, levou-me até você ainda num outono de folhas e transparências. De um lado te olhei do outro me olhaste, sorriu como nunca ninguém o fizera e mostrando o pulso ainda nu, desculpou-se indo embora. O que latejou então, não foi exatamente o teu jeito de ir entre todos, se desculpando por uma ou outra paixão, mas o fato de que teu sorriso não se fixara como a tua expressão mais séria o faria algum dia ainda não pintado em nenhuma de nossas manhãs. S E G U N D O FRAGMENTO Já não sei em qual das manhãs resolvi que te amava amava alguém que me furtava o tempo e que, de algum modo, vivia dizendo adeus e antes que assim o fizesse novamente, toquei as flores nos teus cabelos e prometi um jardim. Sorria-me estrelas, constelações inteiras na órbita da sua dança e jurou nunca dizer-me as horas.
(quem sabe, o último fragmento)
Quando fechas a porta sei que permaneces, ainda um instante, olhando a profundidade instalada. Sei também que estenderás a mão ao teu companheiro e sorrirás como ninguém nunca antes sorriu; o pulso estará nu sem adornos, compromissos ou amarras.
(uma impossibilidade definitivamente fragmentada) ou
T
E
R
C
E
I
R
O
OTNEMGARF

“eu te amo calado como quem ouve uma sinfonia”
Agora, se você deixar fico ali naquele canto bem quieto dentro daquele silêncio que também seria seu em qualquer uma dessas manhãs preguiçosas. Se você deixar, meu amor, meu silêncio será tanto que não haverá quem me perceba ali acocorado meio voyeur meio fantasma e mesmo que muitos venham e toquem seu corpo não me importarei, pois estarei cego. Alguns odores sussurros uma torneira gotejando suas mãos que projetam vôos seus vôos que são outra inspiração no escuro que então me acolhe, serão as únicas certezas antes que te deites tão nua quanto solitária e sonhes com alguém que te deseja tão completamente que é capaz de viver seus dias dentro de uma invisibilidade sem fuga. Se você deixar volto para mim e para a possibilidade de tocá-la mais uma vez nem que seja de relance nem que seja distante num toque telefônico um e-mail sem sentido ainda assim um desejo; do contrário fico ali ouvindo seus passos quando não sonhas e a insônia te faz ir à janela buscar os perfumes da noite e voltar para um chá amornado por minhas próprias mãos e então, te fazer carícias mesmo que você não sinta já que te vestes tão às pressas para sair e só voltar mais tarde acompanhada de alguém que te faça dançar e gemer e que de repente perceba que a música já estava ali, sempre esteve. Como eu, pelos cantos.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A impronúncia manifestada

Quando abro os olhos e é você quem me vê, o mistério é todo da cor de vigarices e passeia lentamente dentro do escuro que ainda colore a retina; é possível prová-lo pelas mãos ligeiras de quem me furta a ida e a vinda pelas vias de uma vida que não é minha. Quando a manhã se arrebenta repentina, se apresenta sem retoques é você quem pousa na grade tão santa clara clareando as palavras que vou mentir – uma por uma – só porque não sei dizê-las (quando silencio, os manifestos voam rasantes).
O primeiro destes manifestos pode ser chamado de Manifesto das coisas que são suas (e que muito bem poderiam ser minhas não fosse pelo preço e pela distância) e atende prontamente como um cão feliz ao receber o dono, abana o rabo histórico numa felicidade de poeira e espasmos sublinhados de urina e suor. Corre entre os aparelhos e os cavalos despachando ilusões pelas encruzilhadas e pede com seu jeito de lobo que fiques de quatro e te prepares para o baque. Por estas horas, os móveis já estão afastados e a platéia não morre dentro da execução alheia, nem há remorso maior que aquele que até então lhe acompanhara o ventre. As coisas que são suas são todas brilhantes e práticas; cordas amarram (mas também enforcam tão docemente quanto é possível a uma corda), sapatos calçam, roupas vestem, pentes penteiam e televisões hipnotizam – coisas que quero. Quero porque não querer resolveria só uma parte do problema, justamente aquela parte que te faz voar pela janela só porque não te quero mais. A platéia aplaude sacudindo as jóias, não, não aquelas, outras, brasileiras de barraquinhas populares. O segundo manifesto - ainda sem nome (se bem que Manifesto das coisas que não tens viria a calhar) - roga aos deuses de todas as praças que os meninos apareçam para a lavagem dos bons fins, o meu bom fim e o seu, um fim de mundo, de linha, récita, livro, um fim descabido que te leva mesmo antes que eu lhe desabotoe a blusa e banhe cada segundo de tanta maciez e perfume e flagre uma ou outra cicatriz. Em dias assim noto que não tens vontade, nem dor alguma, não tens piedade da minha ereção a qualquer hora e em qualquer lugar. Antes, não tinhas certezas engaioladas e nem asas, não tinhas ginga nem samba no pé, não tinhas nada e sequer eras mulher. Tendo o cuidado de avisar, há um terceiro manifesto que decreta: meu nome não pode ser pronunciado, pois sou escravo de outras razões, sou aquele que escreve os teus dizeres e planta tuas maçãs, sou o pai das tuas crias e tua cria sou também, escorro por entre as pernas dos homens e das mulheres, sou a cigarra no verão e um bunker em tempos de inquietação। Quando eras um menino fui teu instrutor nas ruas, levei-te ao leito de tantas mulheres e fui cada uma delas, ensinei-te a arte de fazê-las loucas e enlouqueci dentro de ti sempre que tocado, fui espelho e fui teu rosto barbeado, também fui pequeno e nestes tempos ambos fomos abandonados। Sou a luz e sou o breu; um interruptor acima das tuas decisões, definindo os meios, os feriados e os tons de tuas aparições.
Independente disso ou daquilo outro não me confunda com nenhum livro sagrado, alcorão de páginas arrancadas ou um bhagavad-gita revisitado, também não me surpreenda com videiras secas e vinho imaculado em notas bíblicas de rodapé, tampouco me assombre com esse arrastar pesado de asas machucadas de quem voou sem ter aonde ir.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

De tanto você

De tanto você perco noites e dias caminhando sem rumo tanto que o prumo de mim balouça fim adentro.
Perco porque me esqueço ardendo das febres que você inspira por dentro e das vodkas servidas às tantas e em chamas.
De tanto você
nada resolvo
com a luz não me envolvo e não volvo para ver Almodóvar no cineclube da esquina.
Fico te assistindo alegórica meteórica
passista de cinta-liga que me desliga e programa para quando quiser e bem entender.
De tanto você me aprisiono, me rendo, me encanto, cedo meu canto e meus arredores
deito meu pranto e adormeço para melhor te comer.
De tanto você espio revistas
passo em revista meu mundo e invisto artista numa tela que amanhece sem me ver.
De tanto você cego meus olhos num blues de céu atônito e remôo minha cômica pose démodé.
De tanto você me esquecer nem mesmo sei quem sou,
imagino que talvez um verme adubando teus quintais florais, talvez brisa na finita vastidão suspensa dos teus varais, mais ainda pó repousado nos teus poros salinos.
De tanto você não me ver não mais me reconheço franzo o cenho frente ao espelho que também não me olha e me toco para existir. Quando estremeço e procuro alguém ao meu lado não há quem me satisfaça de tanto você.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Ilustração de uma noite pouco azulada


Um azul desbotado, índigo rasgado num céu de dragões e aeronaves, escapole à vigilância e se atira à noite como quem, por detrás das cortinas, se declara ausente; é agora um céu repleto de estrelas refletindo calçadas apinhadas de andanças e revoltas que dançam num palavrório de acusações.
Há sempre alguém encapsulado em si mesmo fugindo do tempo, reaparecendo em flash como que cuspido pela mesma boca imensa que devora, um a um, os comensais desta noite que vagando em sua própria rotina, arrasta os sonhos e rasga as conclusões, determina o caminho e a velocidade, declara guerra à leitura desatenta dos manuais de instrução e sabota as horas nas quais, talvez, encontrássemos abrigo.
(Dentro da noite pouco azulada todos somos ilustrações de desejos voluntariosos que nos vem por dentro confrontando valores e perversões).
Além das palavras reescrevemos vazios, e mesmo que os duetos profanados te pareçam baldios, buscamos redenção além do mesmo hiato azul reinventado na distração de uma manhã na qual saramos as feridas de uma página em branco.

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